DOSSIê CENTRAL

A IMAGEM DE DEUS NA CONGREGAÇÃO
DOS SACERDOTES DO CORAÇÃO DE JESUS

Eduardo Perales Pons (HI)

N.B. - Os números entre parênteses indicam as Constituições (Regra de Vida), se não constar outra coisa.

Introdução

Toda congregação que se preza encontra em seu fundador a origem daquilo de que ela vive, pois é por ele que fica configurada sua existência e seu modo de ser. A Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus tem sua origem na experiência de fé de seu fundador, Leão Dehon, que é a mesma experiência que São Paulo manifesta aos gálatas ao escrever: «Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim» (Gl 2,20). Com estas palavras já temos a imagem de Deus que Leão Dehon transmitirá à sua congregação, na qual sempre se destacará o rosto amoroso de Deus.

As relações do homem com Deus são condicionadas pela imagem que dele se forma. Vendo no rosto divino o amor que Deus é e o caracteriza, acharemos natural que o clima espiritual dos Sacerdotes do Coração de Jesus mostre um matiz muito acentuado e definido na linha do amor.

Deus é amor

João afirma explicitamente, na sua primeira carta, que «Deus é amor» (Jo 4,8). Embora não se encontre esta expressão nas constituições dos Sacerdotes do Coração de Jesus, a atividade amorosa de Deus é a idéia que mais freqüentemente se encontra em suas páginas, quer seja o amor de Deus Pai, quer seja do Filho ou do Espírito Santo; as três pessoas estão continuamente presentes nas constituições. A Cst 78, ao falar da oração, nos lembra que «acolhendo o Espírito que reza em nós e vem socorrer nossa fraqueza (cf. Rm 8,26s), queremos, em seu Filho, louvar e adorar o Pai, que, dia por dia, realiza entre nós sua obra de salvação, e nos confia o ministério da reconciliação» (cf. 2 Cor 5,18). Não é freqüente a menção nominal das três pessoas da trindade num mesmo número das constituições, mas, ao recordar cada uma delas, afirma-se constantemente o amor, concebido desde antes da criação do mundo (cf. Ef 1,3-14): o Pai enviou o seu Filho, entregou-o à morte por nós (Rm 8,32) (19). «Nesse amor de Cristo, que aceita a morte como doação suprema de sua vida pelos homens e como obediência filial ao Pai, é que Padre Dehon vê a fonte da salvação» (3). «Enviado na plenitude dos tempos, em obediência ao Pai, Cristo completou sua obra em favor dos homens. [...] Solidário com os homens, qual novo Adão, ele revelou o amor de Deus e anunciou o Reino: o mundo novo já presente, em germe, nos esforços vacilantes dos homens e que, para além de toda expectativa, chegará à plenitude, quando, por meio de Jesus, Deus será tudo em todos» (10). «Em tudo isso, sua (Leão Dehon) preocupação constante é que a comunidade humana, santificada pelo Espírito Santo, torne-se uma oferta agradável a Deus» (31).

Do Pai se afirma que ele nos ama (9, 10, 19); que cada dia realiza em nós sua obra de salvação e nos confia o ministério da reconciliação (78); promete e realiza o Reino em seu Filho (37); ajuda-nos com sua graça (39); dá seus dons aos homens (41); selou Aliança com seu Povo (84); é fiel (144).

São abundantes as afirmações sobre a atividade do Filho: é amor que se entrega (2); faz-se presente na vida do mundo (2, 22, 28, 60, 84); ama o Pai (17, 35, 41, 43, 63, 77, 81, 84, 144); ama os homens (17, 18, 35, 41, 63, 77, 81, 84, 144); salva (3, 9, 28, 78); recria o homem (3, 12, 21, 39); é recusado, encontra obstáculos (4, 29); serve (10); resgata (10); revela o amor de Deus (10); anuncia o Reino (10); sofreu sua paixão pelo homem (13); redime (14); santifica (14); livra do pecado (23, 57); restaura a unidade entre os homens (23); se identifica com os humildes e os pobres (28); anuncia a Boa Nova (28); faz-se solidário com os homens (29); nos reúne e nos faz viver juntos (82); nos consagra (82); transforma a vida do homem (83).

Do Espírito Santo se diz que ele nos guia (16); nos santifica (31); nos inspira (42, 57); roga por nós (78); vem em ajuda de nossa fraqueza (78); reparte seus dons (86); chama (86).

A experiência do amor de Deus que João manifesta quando escreve «E nós temos reconhecido o amor de Deus por nós, e nele acreditamos» (1 Jo 4,16), é a que caracteriza toda a vida de Leão Dehon e se repete continuamente nas constituições de sua congregação. Estas frases o confirmam: «Com todos os nossos irmãos na fé cristã, confessamos, pela força do Espírito, que Cristo é Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor, e que continua presente no mundo para o salvar» (9). «Desejosos da intimidade do Senhor, procuramos os sinais de sua presença na vida dos homens, onde atua o seu amor salvador» (28).

Experiência de fé de Leão Dehon

Diz-se que experimentar é saber-se relacionado com pessoas ou acontecimentos, e numa relação que, quando é religiosa, nos modifica de algum modo. A tomada de consciência dessa relação modificante com alguém é precisamente viver a experiência. Para Leão Dehon, a fé é algo mais que «cremos naquilo que não vemos» ou «aceitar um conjunto de verdades dogmáticas, sem incidência em nossa conduta pessoal». Com o correr dos anos, num progresso incessante pelos caminhos de Deus, tornou-se um «experto em Deus». Para ele, Deus é uma experiência ininterrupta, e com ele mantém uma relação de intimidade e amor. Nas constituições lemos: «O Lado aberto e o Coração transpassado do Salvador constituem para Padre Dehon a expressão mais evocadora daquele amor cuja presença atuante ele experimenta em sua própria vida» (2). Na relação que Leão Dehon vive com Deus sempre destaca o elemento amor. No amor de Cristo, que aceita a morte como entrega total de sua vida pelos homens e como obediência filial ao Pai, ele vê a fonte da salvação: e nos diz que do Coração de Jesus, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito, e unido aos irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja (cf. 3). Quer conhecer os males que afligem a sociedade; estuda-lhes cuidadosamente as causas; mas percebe que a causa mais profunda da miséria humana está na recusa ao amor de Cristo; e, atraído por esse amor menosprezado, quer corresponder-lhe por uma vida íntima com o Coração de Cristo e pela instauração do seu Reino nas almas e na sociedade (4). Essa adesão a Cristo, nascida do mais íntimo do coração, realiza-a em toda a sua vida, sobretudo no apostolado, caracterizado por uma particular solicitude pelos homens, em especial para com os mais desamparados (cf. 5), pois a autêntica experiência do amor de Deus leva ao amor aos homens (cf. 1 Jo 4,11).

Ao ler as constituições dos sacerdotes do Coração de Jesus, chama a atenção a freqüência com que se mencionam simultaneamente o amor a Deus e o amor aos homens, como dois aspectos de um mesmo amor. Prova disso é um texto fundamental fortemente expressivo: «Discípulos de Padre Dehon, queremos fazer da união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens, o princípio e o centro de nossa vida» (17). Mas há ainda outros textos que fazem alusão expressa ao amor de Deus inseparável do amor aos homens: «Cristo entregou-se inteiramente ao Pai e aos homens, num amor sem reservas. Pelo voto de celibato consagrado, [...] nós nos comprometemos [...] a seguir a Cristo no seu amor a Deus e aos irmãos, e na sua maneira de estar presente entre os homens» 41). «A vida de oblação, suscitada em nossos corações pelo amor gratuito do Senhor, nos configura à oblação daquele que, por amor, se entregou totalmente ao Pai e aos homens» (35).

Experiência de fé dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Escrevendo aos Efésios, S.Paulo convida-os a tornar-se «imitadores de Deus, como filhos amados, e andar em amor, assim como Cristo nos amou e se entregou por nós a Deus, como oferta e sacrifício de odor suave» (Ef 5,1). Deus e Cristo em seu amor se nos propõem como modelos de identificação. E até podemos entender que o amor de Cristo suscite nosso amor, como nos lembra S.Teresa: «Sempre que pensamos em Cristo recordemo-nos do amor com que nos fez tantas mercês e quão grande se nos mostrou Deus ao dar-nos tal graça; amor chama amor» (Libro de la Vida 22,14). E S. João da Cruz escreve: «Um amor acende outro amor. Onde não há amor põe amor e haverá amor». Como eco das palavras paulinas, lemos nas constituições: «Discípulos de Padre Dehon, temos a missão de ser testemunhas do amor de Cristo, no mundo que luta por uma unidade, que é difícil, e por novas relações entre as pessoas e os grupos» (43). É todo um programa de vida inspirado no amor, assim como aparece nas seguintes linhas: «Com o apóstolo São João, vemos no Lado aberto do Crucificado o sinal do amor que, na doação total de si mesmo, recria o homem segundo Deus. Contemplando o Coração de Cristo, símbolo privilegiado desse amor, somos fortalecidos em nossa vocação. Somos, com efeito, chamados a inserir-nos nesse movimento de amor redentor, doando-nos aos irmãos, com Cristo e como Cristo» (21). «Como Padres do Sagrado Coração de Jesus, vivemos hoje em nosso Instituto a herança de Padre Dehon. [...] somos chamados a buscar e a viver, na Igreja, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (26). «Chamados a servir a Igreja na Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, nossa resposta supõe uma vida espiritual: uma comum abordagem do mistério de Cristo, sob a direção do Espírito, e uma atenção particular àquilo que, na inesgotável riqueza desse mistério, corresponde à experiência de Padre Dehon e dos primeiros membros da Congregação» (16).

1. Acreditamos em Deus-Amor

«Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: Nós temos reconhecido o amor de Deus por nós, e nele acreditamos (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que fundamenta nossa esperança; fé que orienta nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo. Em meio aos desafios do mundo, devemos fortalecer essa fé, vivendo-a na caridade» (9).

Deus já nos amou antes de nossa existência, e existimos porque nos amou; seu amor nos criou. E deu-nos a graça de sabermos e sentirmos que somos amados por Ele. O Deus feito homem, Jesus Cristo, é a Boa Nova: Deus é Amor. Um amor que, depois do pecado do homem, continua a amá-lo e revelando-se em Cristo. Porque Deus reduz as distâncias e não suporta a ausência, Deus se fez homem em Cristo, e armou sua tenda entre os homens.

Nosso conhecimento do Amor ultrapassa o saber humano e expressa uma relação existencial. Desse modo, conhecer o Amor de Deus é ter experiência concreta de ser amado, que leva a um compromisso de conseqüências insuspeitas.

No conhecimento de Deus pelo homem, é Deus quem tem a iniciativa. O homem, antes de conhecer a Deus, é conhecido por Ele. É Deus quem nos iniciou no conhecimento da Boa Nova de Jesus Cristo. E nós, com sua graça, devemos progredir no conhecimento que somente alcançaremos em plenitude quando, quem iniciou uma obra tão boa, a levar a feliz término no dia em que Cristo Jesus se manifestar (cf. Fl 1,6).

FÉ : «Acreditamos nele...; fé que orienta nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo».

A fé tem um começo e um crescimento. Iniciados por Deus e pelos que colaboraram em nossa formação na fé; devemos conservá-la, reconvertê-la, protegê-la e fazê-la crescer. A conservação supõe mantê-la ativa; a proteção, ficar atento a possíveis inimigos que a ameaçam a cada momento; o crescimento, dar-lhe todos os meios que existem e estão ao nosso alcance para que se desenvolva dia por dia. Sendo Deus-Amor o conteúdo de nossa fé, a contemplação das expressões do amor de Deus ao homem serão tema permanente de nossa atividade espiritual.

A fé, rege a vida. Portanto, à sua luz o homem decide, de acordo com os critérios da fé se guia, por seus ditames orienta a sua vida. E sempre é uma fé em Deus-Amor, que nos inspira e pede deixar tudo para seguir a Cristo, que nos cativou com seu amor. E deixar tudo com alegria encontra perfeita explicação em nós, que descobrimos em Deus-Amor nosso tesouro e optamos por Ele (cf. Mt 13,44). Não deixamos antes de ter achado. Não nos esvaziamos quando renunciamos; deixamos porque já estamos repletos de Deus.

ESPERANÇA: «... fé, que fundamenta nossa esperança».

A esperança mira ao futuro, e nossa esperança, ao bem do futuro. Um futuro garantido por nossa fé na fidelidade de Deus. Ele cumpre suas promessas. Na linguagem do amor, a promessa é uma palavra chave. Quem promete empenha simultaneamente seu poder e sua fidelidade, proclama-se certo do porvir e seguro de si mesmo, suscitando na outra parte a adesão do coração e a generosidade da fé (cf. X. Léon-Dufour «Vocabulario de teologia bíblica», palavra «Promesas»).

A esperança, apoiada na fé, permite ao crente desdobrar todas as suas potencialidades a serviço do Reino, da sua própria vida e de todos que o cercam, porque tem certeza que seus esforços não serão em vão, ainda que no momento não tenham sentido nem resultados.

CARIDADE: «Em meio aos desafios do mundo, devemos fortalecer essa fé, vivendo-a na caridade».

O exercício da caridade, do amor, fortalece nossa fé, torna-a mais sólida e impertérrita. E nos tempos atuais, faz falta uma fé bem fundada e consolidada, uma vez que conserva sua atualidade o que afirmava Fernando Sebastián vinte anos atrás: «No mundo moderno a fé não se encontra apoiada, favorecida pela cultura dominante».

Caridade, amor, que se exercitará com Deus e com os irmãos. No Antigo Testamento, Abraão é o confidente dos segredos de Deus, porque se tornou seu amigo, respondeu às exigências do amor de Deus. Se temos de ser «profetas do amor», devemos chegar a essa amizade que nos torna aptos para a confidência, e então nos sentiremos autênticos profetas, enviados de Deus para transmitir aos homens a mensagem do amor que Deus lhes tem. Amor aos irmãos, que passará pelos irmãos de comunidade, mas que se multiplicará para chegar até onde alcance a própria pessoa.

2. Cristo, expressão do amor do Pai

«Com o apóstolo São João, vemos no Lado aberto do Crucificado o sinal do amor que, na doação total de si mesmo, recria o homem segundo Deus» (Cst 21).

«Com todos os nossos irmãos na fé cristã, confessamos, pela força do Espírito Santo, que Cristo é Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor» (Cst 9).

«Solidário com os homens, qual novo Adão, ele revelou o amor de Deus e anunciou o Reino» (Cst 10).

São João escreve: «Nisto conhecemos o Amor: ele deu a sua vida por nós» (1 Jo 3,16). A afirmação joanina não deixa lugar a dúvidas quando nos indica que o caminho que nos leva ao conhecimento do amor tem sua expressão plástica no Lado aberto do Crucificado. Se a encarnação, com que armou sua tenda entre os homens, já foi uma expressão eloqüente do amor de Deus, com a morte na cruz deu a prova suprema do amor, já que «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos» (Jo 15,13). Estamos tão habituados a ver o Crucificado, que facilmente ficamos insensíveis diante da prova mais convincente do amor divino. Diante do Cristo na cruz, o dehoniano não pode passar indiferente.

3. O amor de Deus, fonte da salvação

«... Cristo é Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor, e que continua presente no mundo para o salvar» (Cst 9).

«Cristo realiza essa salvação, suscitando nos corações o amor ao Pai e o amor entre nós. É amor que regenera, que é fonte de crescimento para as pessoas e as comunidades humanas, e que encontrará sua manifestação plena quando tudo for recapitulado em Cristo» (Cst 20).

Aqui pode ajudar-nos esta página de Gaudium et Spes, que nos orienta nas linhas da ação apostólica: «Em nossos dias, arrebatado pela admiração das próprias descobertas e do próprio poder, o gênero humano freqüentemente debate os problemas angustiantes sobre a evolução moderna do mundo, sobre o lugar e função do homem no universo inteiro, sobre o sentido de seu esforço individual e coletivo e, em conclusão, sobre o fim último das coisas e do homem. Por isso o Concílio, testemunhando e expondo a fé de todo o povo de Deus congregado por Cristo, não pode demonstrar com maior eloqüência sua solidariedade, respeito e amor para com toda a família humana, à qual esse povo pertence, senão estabelecendo com ela um diálogo sobre aqueles vários problemas, iluminando-os à luz tirada do Evangelho e fornecendo ao gênero humano os recursos de salvação que a própria Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe de seu Fundador. É a pessoa humana que deve ser salva. É a sociedade humana que deve ser renovada. É, portanto, o homem considerado em sua unidade e totalidade, corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade, que será o eixo de toda a nossa explanação» (GS, 3).

4. Origem do homem de coração novo

«Nele foi criado o homem novo segundo Deus, na justiça e na santidade verdadeiras. Cristo nos leva a crer que, apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, é-nos oferecida e já está presente» (Cst 12).

«Animando, pois, tudo o que somos, o que fazemos e sofremos a serviço do Evangelho, nosso amor, associado à obra da reconciliação, cura a humanidade, reúne-a no Corpo de Cristo, e consagra-a para a glória e a alegria de Deus» (25).

A grande força de que está dotado todo dehoniano tem sua raiz no amor, que o torna apto para seu ministério da reconciliação. Quer dizer, só o amor a Deus e aos homens, que nos une à oblação que Cristo faz ao Pai pelos homens, nos habilita para curar a humanidade, reuni-la como Corpo de Cristo e consagrá-la para a Glória e a Alegria de Deus. Pode viver concentrado em si mesmo? Não devemos esquecer que o amor é um movimento que leva o amante ao amado, para desejar-lhe o bem, fazer-lhe o bem, alegrar-se com seu bem.

5. Sensibilidade ao pecado

«Sensíveis ao que, no mundo de hoje, constitui obstáculo ao amor do Senhor, queremos testemunhar que o esforço humano não pode chegar à plenitude do Reino, sem purificar-se e transfigurar-se constantemente pela Cruz e Ressurreição de Cristo» (Cst 29).

Como dehonianos, somos dotados duma especial sensibilidade para detectar o pecado, cuja presença no mundo é indiscutível, segundo a descrição do Vaticano II: «O gênero humano nunca dispôs de tantas riquezas, possibilidades e poder econômico. No entanto, ainda uma parte considerável dos habitantes da terra padece fome e miséria e inúmeros são analfabetos. Os homens nunca tiveram um sentido da liberdade tão agudo como hoje, mas ao mesmo tempo aparecem novas formas de escravidão social e psíquica. Enquanto o mundo percebe tão vivamente sua unidade e mútua dependência de todos numa necessária solidariedade, e ei-lo contudo gravemente dividido em partidos opostos por forças que lutam entre si. Com efeito, agudas dissensões políticas, sociais, econômicas, raciais e ideológicas ainda continuam. E nem falta o perigo de uma guerra capaz de destruir tudo até o fim. Enquanto aumenta a comunicação de idéias, as próprias palavras, que exprimem conceitos de grande importância, revestem-se de sentidos bastante diversos segundo a variedade de ideologias. Enfim, procura-se com afã uma organização temporal mais perfeita, sem que o crescimento espiritual progrida ao mesmo tempo.... Este curso das coisas não só desafia os homens, mesmo força-os a uma resposta» (GS, 4).

Na guerra da antiga Iugoslávia, aconteceu que uma fábrica de armas de um país ocidental fornecia armamentos e soldados mercenários a ambas as partes beligerantes.

6. Conhecimento dos males da sociedade e suas causas

«Vemos o mundo de hoje trabalhado por intenso esforço de libertação.Libertação de tudo quanto fere a dignidade do ser humano e ameaça a realização das suas mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o amor e a liberdade» (Cst 36).

Fruto, sem dúvida, da obra redentora de Cristo, Senhor da História, um setor de nosso mundo, na sua evolução, foi se sensibilizando a tudo o que significa dignidade do homem, igualdade de todos os homens, e se lançou, num esforço digno da causa que defende, à tarefa de libertar a humanidade de tudo o que fere a dignidade humana e impede a realização das aspirações mais profundas: verdade, justiça, amor, liberdade.

Como dehonianos, devemos aprofundar nosso conhecimento dos males da humanidade e unir-nos a todos os esforços humanos que procuram eliminar de nosso mundo tudo o que de algum modo é injusto.

7. Nossa adesão prática

«Somos, com efeito, chamados a inserir-nos nesse movimento de amor redentor, doando-nos aos irmãos, com Cristo e como Cristo» (21).

«Vivemos a união com Cristo também na disponibilidade e no amor para com todos, em especial para com os humildes e os que sofrem. Realmente, como compreender o amor de Cristo por nós, se não amando, como ele, por obras e em verdade» (18).

«A reparação, nós a entendemos como sendo o acolhimento do Espírito, uma resposta ao amor de Cristo por nós, comunhão ao seu amor pelo Pai e colaboração com sua obra redentora no mundo em que vivemos. Com efeito, é ali, em meio à vida do mundo, que Cristo liberta do pecado e restaura a unidade entre os homens. É ali também que ele nos chama a viver nossa vocação reparadora, como estímulo para nosso apostolado» (23).

«... somos chamados a buscar e a viver, na Igreja, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (26).

«Desejosos da intimidade do Senhor, procuramos os sinais de sua presença na vida dos homens, onde atua seu amor salvador. Compartilhando nossas alegrias e sofrimentos, Cristo identificou-se com os pequenos e os pobres, a quem anuncia a Boa Nova» (28).

«A exemplo do Fundador, em sintonia com os sinais dos tempos e em comunhão com a vida da Igreja, queremos contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo» (32).

«A comunidade deixa questionar-se pelos homens no meio dos quais ela vive. Procura compartilhar e apoiar seus esforços de reconciliação e de fraternidade» (61).

Desses textos das constituições, podemos destacar:

1. nossa vocação de inserir-nos no movimento de amor redentor;

2. nossa doação aos irmãos com Cristo e como Cristo;

3. nossa união a Cristo pela nossa disponibilidade e nosso amor para com todos, especialmente os humildes e os que sofrem;

4. nossa acolhida do Espírito;

5. nossa resposta ao amor de Cristo por nós;

6 .nossa comunhão com Cristo no seu amor ao Pai;

7. nossa colaboração na obra redentora de Cristo no mundo;

8. nossa vocação na Igreja de buscar e viver, como o único necessário, uma vida de união com a oblação de Cristo;

9. porque vivemos desejosos da presença do Senhor, nossa procura dos sinais da sua presença na vida dos homens, em especial dos mais humildes e dos pobres com os quais se identificou e lhes anunciou a Boa Nova;

10. nossa vontade de contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo;

11. nossa disposição a deixar questionar-nos, como comunidade, pelos homens no meio dos quais vivemos;

12. nosso propósito de assumir e apoiar os esforços de reconciliação e de fraternidade dos homens.

8. Expressão de nossa adesão

«Com freqüência, havemos de ouvir a Palavra de Deus. Contemplamos o amor de Cristo nos mistérios de sua vida e na vida dos homens. Fortalecidos pela nossa adesão a ele, unimo-nos à sua oblação para a salvação do mundo» (Cst 77).

«Acolhendo o Espírito que reza em nós e vem socorrer nossa fraqueza, queremos, em seu Filho, louvar e adorar o Pai, que, dia por dia, realiza entre nós sua obra de salvação, e nos confia o ministério da reconciliação» (Cst 78).

«Chamados a participar diariamente no sacrifício da nova aliança, unimo-nos à oblação perfeita que Cristo oferece ao Pai, para unir-nos a ela pelo sacrifício espiritual de nossas vidas» (Cst 81).

Há já anos, apareceu um livro de Yves Raguin, no qual se lia: «A tendência atual é propensa a intensificar nossa relação com os homens nossos irmãos, deixando de lado a relação direta com Deus. Continuamente ouve-se dizer, e é verdade, que o amor a Deus se expressa no amor aos homens. Até chega-se a afirmar que o amor a Deus não pode se expressar de outro modo. Essa opinião exclui toda relação direta com Deus, uma vez que não conseguiria relação com Deus separada do amor aos outros. Isso equivale a dizer que, a partir daí, só se pode chegar a Deus através da relação com os homens.

As conseqüências de semelhante atitude são enormes, porque tira ao homem a possibilidade de viver uma vida de união com Deus pela contemplação. Isso supõe destruir de um só golpe a vocação carismática da mística no mundo cristão. O caminho direto do amor de Deus fica fechado. De fato, desde que essas idéias se difundiram, muitos deixaram a oração, a contemplação e tudo o que podia ser tomado como uma expressão de relação pessoal com Deus. Por causa dessas teorias, muitos deixaram perder um chamado de Deus a uma intimidade maior e mais pessoal. Muitos também abandonaram a vida sacerdotal ou religiosa» (Atención a Dios, Narcea p. 18-19).

(Tradução de Pe. Emílio Mallmann, BM)