A FAMÍLIIA DEHONIANA

ASSOCIAÇÃO REPARADORA

(Uma história, uma espiritualidade)

Umberto Chiarello, (CU)

I. As diversas Associações reparadoras

Em 1878, P. Dehon funda uma Associação Reparadora para dar aos leigos uma oportunidade de participar da espiritualidade de seu Instituto.

Existiam já outras associações com a finalidade de orar e fazer reparação pelo clero, entre as quais: “Associação de oração pelos sacerdotes” sob o patrocínio de S. João Evangelista; “Associação íntima”, fundada por Léon Harmel em 1869 em Val-des-Bois, para a conversão dos operários e para a santificação do clero, e outras mais.

Em 1882, P. Dehon e D. Gay promovem uma campanha para criar a “União do Clero” com a finalidade de rezar e fazer reparação pelo clero, e pelo triunfo do Sagrado Coração na França.

Em conseqüência de seu relacionamento com o P. Manovelle, P. Dehon declara como objetivo da Associação Reparadora instaurar “o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade”. Aprovada por D. Thibaudier, a associação promove a santificação pessoal e a devoção ao Coração de Jesus. P Dehon tinha recém fundado a revista “O reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade”. Em agosto de 1889 surge, em Paray-le-Monial a federação internacional das associações do Sagrado Coração. P. Dehon integra o seu conselho, na França.

No noticiário de 1897, sob o título de “Discípulos do Coração de Jesus”, é dito que o fim da Associação é consolar o Coração de Jesus. Não se pede nenhum compromisso apostólico. Influência do P. Blancal, ou do P. Prévot?

Em 1905, P. Prévot propõe a P. Dehon modelar a Associação segundo o Apostolado da Oração e publicar uma revista para os associados. P. Dehon aceita a nova denominação: “Associação do Apostolado da Reparação”.

Em 1910, sob a influência de Pio X, P. Dehon funda uma associação para o clero, chamada “Associação Sacerdotal em Honra ao Sagrado Coração”.

Nos noticiários de 1919 a 1921, pede-se a todos os membros da “Associação de amor e reparação ao Coração de Jesus em união com os Sacerdotes do Sagrado Coração” que sejam apóstolos da entronização do S. Coração nas famílias.

Quando vai procurar fundos para construir a basílica ao S. Coração em Roma, P. Dehon pede ao P. Gasparri que funde uma associação em sintonia com as já existentes. Entrementes, o novo código (1917) tinha definido que associações de direito diocesano não poderiam expandir-se para fora da diocese. Por isso, P. Gasparri foi encarregado de fundar uma nova associação. A 14 de março de 1923 o cardeal Pompili erige a associação “Adveniat Regnum Tuum”, junto ao templo votivo de Cristo Rei, em Roma.

O título talvez foi sugerido ao P. Gasparri pelo noticiário de 1906, publicado em Roma, que dava o subtítulo “Adveniat Regnum Tuum” à associação. O noticiário de 1923 explica que se trata de uma associação de oração e de sacrifício para a difusão de Reino de Jesus na terra, para o triunfo da Igreja e o aumento das vocações sacerdotais e missionárias.

II. Organização e desenvolvimento

Os membros da Associação Reparadora são padres e leigos. Em 1923 são divididos em “associados” e “agregados”, isto é, um grupo mais selecionado que fazia, inclusive, o voto de vítima. Entre estes, figurava a mãe de P. Dehon. Os associados constituem a linha de frente enquanto os agregados dedicam-se mais à oração e ao sacrifício. Os associados dividem-se em comissões, como por exemplo, para a boa imprensa, para as obras de caridade, para a divulgação da devoção. Ao grupo de oração pede-se que se ofereçam como vítimas pela Igreja e pela França.

No Noticiário de 1890 pede-se que os agregados trabalhem pela construção do reino do S. Coração. Na revisão do regulamento, em 1913, distinguem-se os agregados pela oblação de si mesmos como vítimas de reparação ao Coração de Jesus e eles são considerados como uma ordem terceira. Esta divisão foi abolida em 1923.

O diretor da Associação é o Superior geral ou um outro padre da Congregação, nomeado pelo bispo de Soissons. Até o início de 1890 a matrícula de homens era reservada ao P. Dehon, a das mulheres, à Chère Mère. Quando a associação se expande há outros encarregados destas matrículas em cada lugar.

O Superior geral, como diretor da Associação, nomeia os dirigentes em cada país. As diversas associações são consideradas como uma ordem terceira. Numa carta a Clara Baume, uma leiga agregada, P. Dehon usa a imagem de família: “Je vous appelle soeur, puisque vous êtes de la famille ».

O estatuto indica o modo de participar. Tais estatutos vão sendo atualizados na medida em que a associação cresce. Temos edições de 1886, 1889, 1897, 1906, 1910. O de 1906 é do P. Prévot. Ele ignora os associados e enfatiza os agregados. Na preparação do Capítulo de 1914, estando já morto o P. Prévot, o regulamento de 1906 é revisto. Surge um novo em 1919.

O desenvolvimento da associação deve-se ao esforço dos membros da Congregação que procuram envolver os parentes nesta tarefa. O Capítulo geral de 1896 pede a publicação de um Noticiário para divulgar o espírito e a espiritualidade da Congregação entre os leigos e os padres.

A revista “O reino do Sagrado Coração nas almas e na sociedade” é dirigida também aos membros da associação (1889, 1893, 1897, 1901). Em suas cartas circulares, P. Dehon pede aos padres que “recrutem agregados para as nossas associações e mantenham a união dos corações entre eles e conosco” (Carta circ 17.10.1892). Ele fala disso nos Capítulos gerais de 1899 e 1919 e também informa o Papa na audiência de 21.02.1904.

P. Dehon se empenha pessoalmente para levar a associação para outros países. No Noticiário de 1901-1902, diz que as inscrições devem ser feitas com o P. Falleur, em S. Quintino, e com o P. Jeanroy, em Bruxelas. Nas atas do Capítulo de 1899 consta que a associação vem crescendo. Tem alguns milhares de agregados na Alemanha e está crescendo em outros países.

No Noticiário de 1908 P. Dehon encarrega P. Prévot de propagar a associação. Em 1910 um Noticiário de propaganda, em italiano, indica a Escola Apostólica de Albino como sede das inscrições. Em 1912, o Conselho pede e fundação de uma seção na Holanda. Em 1918, P. Dehon escreve: “Propago a nossa associação e inscrevo os agregados” (NQ XLIII, 1).

Também P. Prévot faz propaganda da associação e publica folhetos para a formação de seus membros.

O número de membros cresce. Entre os primeiros estão o Abbè Mathieu, a mãe e a tia de P. Dehon, um Sr. Lécot, o qual comprou um jardim junto da Casa Mãe, em São Quintino, e destinou-o ao uso da Congregação. Ao cabo de 1880, há uma centena, entre agregados e associados, enquanto os religiosos são 3 professos e 7 noviços. Em 1892 são algumas centenas.

Em 1900, na Alemanha, são cerca de 6 mil e dispõem de uma revista com 3 mil assinaturas. Em 1904, na audiência com o Papa, P. Dehon fala em 10 mil membros.

As atas do Conselho de 1912 falam de 4 mil membros na França e 8 mil na Alemanha. Em 1923 todos os membros associados e agregados passam a integrar a nova “Associação Adveniat Regnum Tuum”, que passa a ter 50 mil membros.

III. Participação na espiritualidade e na missão do Instituto: espiritualidade e apostolado

Na associação reparadora de 1878 os membros se comprometem a pedir a vinda do Reino do Coração de Jesus e as bênçãos de Deus sobre os sacerdotes e ao mesmo tempo, a viver o espírito do instituto, através do completo abandono nas mãos de Deus, aceitando qualquer sacrifício que for exigido, inclusive a fazer o voto de vítima. “Muitas destas pessoas perceberam como Deus havia aceitada sua oferta através das cruzes que a Providência lhes enviava” (P. Dehon).

Os agregados da primeira associação são pessoas já atuantes, pois são vicentinos, ou da terceira ordem franciscana, da propagação da fé, ou são colaboradores das paróquias. O regulamento de 1889 pede aos associados que reconheçam e respeitem publicamente os direitos e a realeza de Jesus Cristo; santifiquem e façam respeitar o domingo; propaguem a imprensa católica, combatendo a má imprensa. Mensalmente deve haver uma missa para os associados e uma reunião para programar a dilatação do Reino do Coração de Jesus. Eles devem ainda propagar a devoção ao Coração de Jesus para a salvação da França.

Os agregados, por sua vez devem oferecer, a cada manhã, orações e sacrifícios em união como Coração de Jesus, em espírito de amor, reparação e intercessão; aceitar neste espírito os sofrimentos do dia, oferecendo-se como vítimas para consolar o Coração de Jesus; nas sextas-feiras viver como vítimas pelos pecados da pátria penitenciando-se nesta intenção; propagar a devoção ao C. de Jesus; praticar a pureza de coração, a humildade, a generosidade e o sacrifício; nutrir grande devoção pela eucaristia, fazendo uma hora de adoração e a comunhão reparadora a cada 1ª sexta-feira do mês.

O Noticiário de 1889 diz que o objetivo da associação consiste na santificação dos membros pela devoção ao Coração de Jesus. Sendo a santidade igual à caridade, os membros devem estabelecer o Reino do Coração de Jesus em si mesmo e na sociedade. “Sendo massa popular é constituída pela classe operária, descristianizada e enganada, a principal preocupação será reconciliar e unir o patrão e o operário, o rico e o pobre”.

Os associados tem uma finalidade mais social enquanto os agregados são convidados a viver o espírito de vítima, todos procurando estabelecer o Reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade. Eles todos devem ter preferência pelos pequenos e pobres.

Os estatutos não impõem nenhuma penitência. Fica à escolha de cada um a fim de que o apostolado seja eficaz.

O Noticiário de 1906, volta ao regulamento de 1889 para os associados e lhes indica estas práticas a cumprir: celebrar a festa do Coração de Jesus, confessando-se e comungando; freqüentar mensalmente os sacramentos; orar uns pelos outros; dizer, cada dia, uma Pai-nosso, Ave-Maria e o Creio.

O grupo dos associados é caracterizado aqui mais pela oração que pelo apostolado. Todavia, o Noticiário de 1908 diz que a associação tem dois escopos: “Comprometer-se pela obra da reparação colaborando com os sacerdotes do Sagrado Coração na propagação do Reino de Jesus

Na revisão do regulamento de 1913-14 pede-se que os associados ofereçam a cada manhã suas orações, sacrifícios e atos, que aceitem com generosidade os sacrifícios que a Providências mandar, que cumpram seus deveres de estado, que suportem os defeitos do próximo e corrijam os seus, que façam a comunhão reparadora nas primeiras sextas-feiras do mês, que façam obras de apostolado, por si ou na paróquia.

Aos agregados pede-se que se ofereçam como vítimas de reparação ao Sagrado Coração eventualmente também como um voto.

Em 1919, todas as províncias recebem autorização para acrescentar algo ao regulamento geral. Assim, na província Franco-Belga pede-se aos membros que façam reparação ativa pelas ofensas contra a Trindade: pelas blasfêmias contra o Pai, as ofensas ao Filho na eucaristia, e pelos pecados contra o Espírito Santo, cometidos pela maçonaria e pelos inimigos da religião.

Como meio de reparação são indicadas as obras de caridade, a assistência aos moribundos, a conversão dos pecadores, o ensino aos ignorantes. O apostolado passa a ser considerado parte integrante da reparação.

Espírito e fim da “Adveniat Regnum Tuum” (1923) é a reparação das ofensas feitas a Cristo, principalmente na eucaristia e restabelecer os princípios da vida cristã nas consciências, nas famílias e na sociedade. Abolida a divisão em dois grupos, pede-se a todos que participem da missa com freqüência, diária se possível, comunguem, principalmente nas primeiras sextas-feiras, façam meia hora de adoração, pelo menos uma vez ao mês, consagrem-se ao Sagrado Coração de Jesus, recitem diariamente o terço. Devem eles ainda cumprir seus deveres cristãos com fidelidade, oferecer seu trabalho e aceitar os sofrimentos, mortificar-se na alimentação, vestir-se com simplicidade e não exagerar na decoração da casa. Devem colaborar na pastoral paroquial e diocesana.

IV. Subsídios de formação: formas de agregação

Subsídios de formação

Em 1892 o P. Prévot publica o livro “Amor, paz e alegria”. O livro é recomendado aos agregados. Em 1906 ele publica o folheto “Amor e reparação ao Sagrado Coração” como uma espécie de manual do apostolado da reparação endereçado aos membros das diversas associações. No folheto ele acentua o espírito de vítima. Deus quer que este espírito seja difundido nos conventos, entre os padres e entre os leigos. “Rezar, agir, sofrer e sacrificar-se por Cristo”, recomenda P. Prévot, no folheto que foi traduzido para o alemão e para o holandês.

Em seu diário (NQ XL, 25), P. Dehon diz que acabou de escrever (1917) um manual de orações para os nossos agregados. Em 1922, o P. Philippe pede que P. Gasparri traduza para o italiano o folheto do P. Prévot para difundir a associação na Itália.

Formação

No manuscrito “União com a Congregação”, escrito após 1911, o P. Dehon esboça um roteiro de formação para os leigos, inspirado no dos religiosos. Ele começa dizendo que devem aprender a rezar, como os noviços, para tornar-se, a exemplo de S. João “consoladores de Nosso Senhor”. Devem viver em união com os religiosos, progredindo na caridade. Seu modelo será o Coração de Jesus.

Os leigos devem pôr em prática o espírito de obediência do Regulamento, a castidade, o desapego dos bens e viver uma vida sóbria e simples. Devem consagrar-se ao Coração de Jesus unindo-se ao seu sacrifício na cruz, pela adoração, ação de graças, reparação e súplica.

Além do mais, devem estar em sintonia com os padres do C. de Jesus. Para isso serve a participação diária na missa. Como apostolado sugere-se a difusão da boa imprensa, ajuda na catequese e nas sociedades de caridade. Devem difundir a imagem e a devoção ao Coração de Jesus. Devem praticar a justiça, a piedade, a caridade, a paciência e a amabilidade.

Devem ser missionários também. Os associados que têm interesse pelo desenvolvimento da Igreja haverão de interessarem-se pelas missões e participar de sua promoção. Àqueles que querem viver uma generosidade maior, P. Dehon aconselha: “O fervor da caridade, a generosidade do sacrifício, a pureza de coração e a humildade são as virtudes que devem caracterizá-los. Para que sua oração seja contínua estejam unidos sempre a Nosso Senhor pelas jaculatórias. Aceitem de bom grado os sacrifícios que o Senhor lhes enviar”.

Reuniões

No Noticiário de 1889 pedem-se reuniões mensais, separadamente, para homens e mulheres. Naquele de 1906 pede-se uma retiro semanal ou mensal. Na revisão do Regulamento (1913-1914) pede-se que os agregados façam reuniões entre si.

Formas litúrgicas de agregação

Os agregados da Associação reparadora (1878) recebem a cruz, enfeitada com um coração, igual à dos religiosos. Eles proferem um ato de oferecimento em união com os Oblatos do C. de Jesus e com as Servas do S. Coração. Recebem ainda um nome religioso.

No Noticiário de 1889 há um ato de consagração. No de 1890 há dois: um mais solene e um para todos os dias. Depois fala-se de um escapulário. Em 1923 recomenda-se que todos usem o escapulário e uma medalha do S. Coração.

Indulgências

Em 1889 a Associação é agregada à Arquiconfraria do Sagrado Coração para participar de suas indulgências. Em 1906 P. Dehon obtém de Pio X um privilégio para os agregados que fazem o oferecimento de si mesmos. No Noticiário de 1906 são elencadas estas indulgências. Com o breve de 1910, Pio X concede indulgências aos padres e a todos os membros da Associação.

Conclusões

Uma avaliação das experiências passadas serva para inspirar a retomada da participação dos leigos na espiritualidade dehoniana.

No período 18780-1925 as diversas associações são caracterizadas pela fidelidade à espiritualidade e à missão, sempre adaptadas ao contexto eclesial. Com o passar do tempo ora uma dimensão é acentuada, ora outra. No começo, todos os membros participam da espiritualidade do Instituto e se comprometem em seu apostolado. De 1897 até 1908 prevalece a espiritualidade vitimal a dano do apostolado. A partir de 1908 o apostolado volta a ser acentuado principalmente no regulamente de 1923.

As diversas associações sempre foram consideradas como uma espécie de Ordem Terceira da Congregação e dela dependem. Há um diretor geral, que é o P. Dehon, há diretores nacionais e há os próprios padres que acompanham os membros.

Há duas categorias de membros: os associados e os agregados. Estes são uma minoria. A distinção é abolida em 1923. O Instituto oferece certa formação Aos membros e pede alguma formalidade de ingresso e sinal externo de pertença.

Pode-se entrever assim o futuro:

Promover a família dehoniana, constituída de leigos, consagrados, religiosos,que reconheça em P. Dehon o pai da espiritualidade e se sintam irmãs e irmãs entre si na mesma missão, respeitando-se na sua autonomia de governo.

Os sacerdotes do Sagrado Coração, como primeiros elementos da Família, são a garantia do carisma. É tarefa deles difundir a espiritualidade de P. Dehon, como um dom para a Igreja, e acompanhar aqueles que sentem-se atraídos por ela.

Deve-se recuperar o relacionamento com a Servas e as irmãs Vítimas, com os institutos femininos fundados por confrades nossos e convida-los a integrar a família dehoniana. Os SCJ devem assegurar-lhes a assistência espiritual.

Leigo dehoniano é aquele que vive o evangelho segundo a ótica da espiritualidade e da missão dehoniana, na família, no trabalho e na Igreja.

Concretamente, trata-se de viver a espiritualidade dehoniana na secularidade:

Dos leigos espera-se: Os leigos dehonianos não constituem uma ordem terceira. Eles devem ter sua autonomia garantida, conservando cada grupo sua identidade particular.

A tarefa dos religiosos em relação aos leigos é a de promover o carisma entre eles, acompanhá-los, assegurar-lhes uma formação adequada, ajudar a discernir a vocação.