VIDA DA CONGREGAÇÃO

 

FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS

PARA UMA CRÍTICA DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

Carlos Alberto da Costa Silva (CU)

A Conferência Geral do Recife, Brasil (16-26 de maio de 2000) não quis somente apresentar decisões de caráter prático para a Congregação; por detrás de toda reflexão que foi feita antes e depois dela há uma espiritualidade que se concretiza, para nós religiosos dehonianos, em nossa vida comunitária e em nosso voto de pobreza.

Certamente devemos mudar o mundo e as suas relações, mas também dever haver em nós uma mudança, uma conversão.

A - O ideal de nossa vida cristã e religiosa

Jesus, segundo Mt 5,48, nos propõe: “Vós, portanto, sereis perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste”

Qual a perfeição de Deus que deve ser imitada? A perfeição de Deus é amor-gratuidade, amor-comunhão, amor-solidário.

1. O amor comunhão no seio da Trindade

“No Antigo Testamento, Deus se revela como o Deus da Aliança com a humanidade, isto é, Ele quer associar a si todos os seres humanos (Gn 9). A aliança com o patriarca Abraão (Gn 12) foi destinada a criar um sinal entre os povos, chamados também a ser povo de Deus (cf. Ap 21,3). A aliança com todo o povo de Israel (Ex 19 e 24) é antecipação e símbolo do que Deus quer fazer com todos os povos, as doze tribos e os doze apóstolos do Novo Testamento têm um significado simbólico: a reunião dos povos dispersos, para servir a Deus e se tornar assim povo de Deus, uma única humanidade redimida e constituída comunidade messiânica. Esta comunhão que Deus quer realizar com a humanidade, expressa pela figura da aliança, foi interiorizada no coração de cada pessoa (cf. Jr 31,33; Ez 37,26; Hb 10,16). A comunhão busca a intimidade e a liberdade do coração humano e não só sua expressão social e política.

Em o Novo Testamento São Paulo, São João e os Atos dos Apóstolos são os que melhor descrevem esse Deus-comunhão. Ora, essa comunhão adquire historicidade concreta na realidade-Jesus e na comunicação do Espírito. Estar em Cristo e no Espírito, viver com Cristo e com o Espírito constitui a grande comunhão com o Pai (cf. I Jo 1,3).

Em São Paulo os caminhos da comunhão são dois: a fé e a ceia eucarística. Por meio da fé nos unimos ao Senhor ressuscitado: se vive nele, se morre nele, se ressuscita com ele, se senta na glória com ele (cf. Rm 6,6; 8,17; 2Cor 7,3; Gl 2,19; Cl 2,12; 3,1; Ef 2,6; 2Tm 2,12). Com a comunhão com Cristo se começa uma comunhão de vida e de destino com ele, também no sofrimento (Fl 3,10). Esta comunhão se aprofunda mediante a ceia eucarística. Comendo o corpo do Senhor, a comunidade se faz corpo de Cristo (cf. 1Cor 10,16-18; Rm 12,5). A comunhão com Cristo significa também comunhão com o Espírito de Cristo (cf. 2Cor 13,13).

São João refletiu sobre a comunhão com o Pai na qual Cristo nos introduziu, para que todos sejamos uma coisa só (Jo 17,21). Ele a expressa também pelos verbos estar em e permanecer em (cf. Jo 14,20; 15,4).

A comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo se traduz em comunhão fraterna (cf. 1Jo 1,1-3). Esta assume contornos concretos no por em comum os bens (At 2,42; 4,32) e na preocupação com os pobres das outras comunidades, para esses se faziam coletas, como expressão de comunhão (cf. 2Cor 9,13; Rm 15,26). A carta aos Hebreus nos lembra além disso que é essa assistência mútua (comunhão) o sacrifício que agrada a Deus (13,16). Com a fé, a celebração da ceia, a adesão à mensagem de Jesus , o por em comum todos os bens se realizava a utopia comunitária: “A multidão daqueles que tinham abraçado a fé tinham um só coração e uma só alma” (At 4,32). (...)

(Assim) podemos entender melhor o que signifique afirmar que Deus é comunhão. Ele é comunhão justamente porque é Trindade de pessoas. São três pessoas e uma só comunhão, uma só comunidade trinitária. Eis a forma mais correta para representar o Deus cristão. Falando de Deus devemos sempre compreender o Pai, o Filho e o Espírito Santo em presença um do outro, em total reciprocidade, na imediação da relação amorosa, sendo um para o outro, mediante o outro, no outro e com o outro. Nenhuma pessoa divina existe só para si. São sempre e eternamente pessoas em relação.

O Pai é pai porque tem um filho. O Filho é filho só em relação ao Pai. O Espírito é espírito por causa do amor com que o Pai gera o Filho e o Filho restitui ao Pai. Pronunciando a Palavra (o Filho), o Pai emite o sopro que é o Espírito Santo. Fruto do amor, o Espírito ama o Pai e o Filho como é amado, num jogo de dom recíproco e de comunhão que vem da eternidade e vai para a eternidade.

As pessoas existem come Pessoas em razão das relações eternas de uma com as outras. A unidade trinitária se constitui destas relações, é uma unidade própria da Santíssima Trindade, uma tri-unidade. A esta unidade se refere São João quando fez Jesus dizer: “que todos sejam um, como tu, Pai estás em mim e eu em ti; que também eles estejam em nós... para que sejam um como nós somos um... para que cheguem à unidade perfeita” (Jo 17,21-23).

A unidade social que existe na Trindade fundamenta a unidade humana, está é inserida naquela. As pessoas não são anuladas, mas potenciadas. A unidade é constituída a partir das próprias pessoas, seja na Trindade seja na humanidade, enquanto as pessoas são essencialmente relações. A união que vigora entre as pessoas e na comunidade humana é figura da união que existe na Trindade.

Não obstante todas as diferenças, a Trindade quer se ver figurada na história, na medida em que as pessoas põem tudo em comum, estabelecem relações igualitárias e justas entre todos, partilham o ser e o ter.

Foi Ricardo de São Victor (+1173) que na tradição teológica aprofundou mais essa perspectiva comunitária da Santíssima Trindade e sua incidência sobre a vida humana. Para ele, Deus é essencialmente amor que se comunica e cria comunhão. O amor do Pai faz surgir das suas entranhas, como um fogo, o filho a quem entrega todo seu ser. O Filho, por sua vez, restitui ao Pai todo amor recebido. È um encontro absoluto e eterno, porém não é o amor de amantes que se fecham na solidão, ele se expande. Pai e Filho fazem de si próprios um dom comum: é o Espírito Santo. Desse modo o Deus cristão é um processo de efusão, de encontro, de comunhão entre diferentes, unidos pela vida e pelo amor.

A teologia cristã cunhou uma palavra para exprimir esta vida e esta comunhão, ...pericórese (em grego), circuminsessio ou circumincessio (em latim)”.1

Sabemos que a experiência fundante da pessoa humana é a de amar e ser amada. O povo de Deus do Antigo Testamento e a comunidade dos redimidos do Novo Testamento tiveram também esta experiência, e foi esta experiência de amor que nos foi transmitida pelas Escrituras, como diz João: “não fomos nós que amamos a Deus mas foi ele que nos amou” (1Jo 4,10).

Folheando as Escrituras encontramos expresso de muitos modos os sinais do amor de Deus. São frutos do amor de Deus a própria criação, a vocação de Abraão e a escolha do povo judeu, o chamamento dos profetas e apóstolos e, momento culminante, a encarnação do Verbo Deus, Jesus de Nazaré, e o Cristo ressuscitado, sinal grandioso do amor divino.

2. A pessoa de Jesus

Na pessoa de Jesus se entrelaçam a dimensão do gesto e a dimensão da palavra, uma completa a outra, uma explica a outra. As duas são complementares.

2.1. A atitude solidária de Jesus2

Uma reflexão sobre termos do Novo Testamento come compaixão (splangnon) e compadecer-se (fremir, ter contrações espasmódicas das vísceras, comover-se as vísceras = splangnizomai) nos mostram como acontece esse amor solidário de Deus por nós em Jesus Cristo.

Em o Novo Testamento só Lucas em seu evangelho (1,78) usa o substantivo: “compaixão”, mas por sua vez é muito usado nos Sinóticos o verbo “compadecer-se”. Sempre se refere a atitude de Jesus (no Pastor Herma, o encontramos uma vez referido a Deus), sendo assim exclusivo do agir divino.

Três parábolas têm o verbo.

- Mateus 18,23-35: ao pedido do servo "tem paciência comigo", corresponde o patrão "que teve compaixão do servo e deixou-o ir", notar que depois o patrão se irritou com o servo ingrato.

- Também na parábola do Filho Pródigo, ou melhor do Pai Misericordioso, de Lc. 15, 11-32: "seu pai viu-o e teve compaixão" mas o irmão mais velho irou-se. Os personagens estão envolvidos nessa dimensão dos sentimentos humanos - compaixão x ira - para mostrar uma ação específica de Deus.

- Na parábola de Lc. 10, 29-37, o Bom Samaritano "vendo-o teve compaixão". Indica a atitude perfeita do que ama a Deus amando o próximo.

- Marcos, 4 vezes, usa o verbo para indicar as atitudes messiânicas de Jesus. Em 6,34 narrando o milagre da multiplicação dos pães diz que Jesus "desembarcando e vendo uma grande multidão, teve compaixão", o mesmo é dito na narração da segunda multiplicação em 8,2.

Também em Marcos, 1,41 e 9,22, textos exclusivos de Marcos, o verbo ocorre nas narrações das curas de um leproso e do epilético. Sobre esses textos J.Behm escreveu: "Desprezar-se-ia certamente a importância do termo 'compadecer-se' nestes dois textos secundários se o considerássemos só um efeito narrativo. Trata-se em vez de uma caracterização teológica de Jesus como Messias em quem está presente a misericórdia divina"3.

Mateus 14,14 e 16,23 usa o verbo na narração da multiplicação dos pães e repete Mc. 6,34 na introdução da missão dos Doze, “vendo a multidão, teve compaixão porque eram como ovelhas sem pastor”. Além disso Mt. 20,34 usa o verbo na cura dos dois cegos, como resposta de Jesus a eles que gritavam “tem misericórdia de nós Senhor”.

Esses textos, como os de Marcos, “caracterizam a figura messiânica de Jesus e mostra a tendência da tradição de descrever sempre de modo mais amplo a figura de Jesus com atributos messiânicos”4.

O mesmo vale para o texto de Lucas 7,13, onde ele descreve a ressurreição do filho da viúva de Naim, “Jesus vendo-a, compadeceu-se” e realizou o milagre.

Há uma constatação que não podemos deixar passar despercebida, o samaritano, como Jesus, “teve compaixão” e agiu, solidarizou-se não só afetivamente com o assaltado, mas também efetivamente. Vale lembrar o que dirá João Paulo II na Encíclica “Solicitudo Rei Socialis”, nº.38: A Solidariedade “não é um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum”.

Este foi o exemplo dado pelo Senhor Jesus, que não só teve compaixão, mas à sua compaixão seguiu-se um agir em favor da multidão ou de alguém. Há uma tomada de posição, uma ação concreta, um ato de solidariedade.

Desse texto do Novo Testamento - a parábola do Bom Samaritano - por conseguinte, podemos concluir uma atitude exemplar de solidariedade efetiva de Jesus para com as pessoas, e sendo Jesus, o Cristo, exprime em sua pessoa messiânica o amor do Pai para com os homens, e traz a proposta de amor dos homens entre si, e dos homens para com Deus.

Ainda em o Novo Testamento há o texto, citado no início, de Lucas 1,78, traduzido pela Bíblia de Jerusalém como: “graças ao misericordioso coração de nosso Deus”, ou talvez pela “visceral misericórdia de Deus”. O caráter escatológico do texto parece evidente e “a obra escatológica e reveladora de Deus é vista como um fluir de sua afetuosa misericórdia”5.

Eis que nos deparamos com uma linguagem muito próxima de nossa espiritualidade dehoniana, onde o coração de Deus é apresentado como a fonte de amor e misericórdia.

O Deus que por amor criou, chamou os patriarcas e enviou os profetas, na plenitude dos tempos enviou seu Filho, nascido de uma mulher, que nos amou, nos falou, se humilhou e se entregou por nós até a morte de cruz. Por isso Paulo assim se exprime aos Filipenses: “ Comportai-vos entre vós assim, como se faz em Jesus Cristo: ele, que é de condição divina, não considerou como presa a agarrar o ser igual a Deus. Mas despojou-se, tomando a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens, e por seu aspecto, reconhecido como homem; ele se rebaixou, tornando-se obediente até a morte, e morte numa cruz” (2,5-8).

E João nos lembra a fonte das relações entre os homens (1Jo 3,1): “Vede que grande amor nos outorgou o Pai, que sejamos chamados filhos de Deus; e nós o somos!”. E tira a conclusão: “Quem não ama não descobriu a Deus, porque Deus é amor. Eis como se manifestou o amor de Deus entre nós: Deus enviou seu Filho único ao mundo, para que vivêssemos por meio dele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus mas foi ele que nos amou e nos enviou seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados” (1Jo 4,8-10).

Portanto o amor comunhão e solidariedade presente em Jesus é um reflexo do amor de Deus Pai que se encarnou nele. Nos seus gestos temos uma proposta e um exemplo.

2.2. O anúncio do Reino de Deus

O anuncio do Reino, em poucas palavras é o anúncio do amor de Deus para com os homens e as mulheres, que exige amor entre seus filhos e filhas. Amor concreto, como acolhida do Reino, que nos pede novas atitudes, um novo modo de vida.

2.2.1. Capacidade de partilhar

O anúncio do Reino de Deus é exigente. Assim foi a palavra de Jesus ao jovem rico: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis, dá-lo aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me!”. (Mt 19,21).

O texto nos recorda o convite de Jesus a seus discípulos, “Vós, portanto, sereis perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste”. Fica evidente que a partilha é um modo de imitar a perfeição do Pai.

A comunidade dos primeiros discípulos entendeu muito bem esse convite, assim se explica a atitude de tantos entre os quais Barnabé: “Assim José, cognominado pelos apóstolos Barnabé - o que significa homem da consolação -, possuía um terreno. Era levita oriundo de Chipre. Ele vendeu o seu terreno, trouxe a importância e a depositou aos pés dos apóstolos”(At 4,36-37).

A partilha foi sempre um ato livre, uma resposta livre e isso justifica a reprimenda de Pedro a Ananias: “Mas Pedro disse: Ananias, por que Satanás encheu o teu coração? Mentiste ao Espírito Santo e retiveste uma parte do preço do terreno. Não podias guardá-lo, sem o vender, ou, se o vendesses, dispor do preço a teu bel-prazer? Como é que esse projeto pôde nascer em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, foi a Deus” (At 5,3-4). Ananias quis fazer de conta que seguia o Senhor mais de perto.

Uma outra atitude exemplar é a coleta promovida por Paulo em favor dos pobres segundo a recomendação dos apóstolos: “e, reconhecendo a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, considerados como colunas, deram-nos a mão, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão, a fim de que fôssemos, nós aos pagãos, eles aos circuncisos. Apenas teríamos de nos lembrar dos pobres, o que eu tive muito cuidado de fazer” (Gl 2,9-10).

Assim as coletas de Paulo para os pobres de Jerusalém são um dever de apóstolo: ‘lembrar-se dos pobres’, provocar entre os fiéis a partilha, e quanto a esse ponto Paulo é claro: “Para a coleta em favor dos santos, seguireis, também vós, as regras que dei às Igrejas da Galácia. No primeiro dia de cada semana, cada um porá de lado em sua casa o que tiver conseguido poupar, a fim de que não se espere a minha chegada para recolher os dons. Quando eu estiver aí, enviarei, munidos de cartas, os que houverdes escolhido para levarem os vossos dons a Jerusalém” (1 Cor 16,1-3).

E ainda: “Mas agora eu vou a Jerusalém a serviço dos santos, pois a Macedônia e a Acaia decidiram manifestar a sua solidariedade para com os santos (os cristãos) de Jerusalém, que estão na pobreza. Sim, elas o resolveram e lhes eram devedoras. Pois se os pagãos participaram de seus bens espirituais, devem igualmente prover às suas necessidades materiais. Quando, pois, eu tiver terminado essa tarefa e lhes tiver entregue oficialmente o produto dessa coleta, irei à Espanha passando por vós” (Rm 15,25-28).

Convém destacar a frase: “decidiram manifestar a sua solidariedade para com os santos”, literalmente: ‘fazer comunhão com os santos’; segundo Paulo partilhar é fazer comunhão.

2.2.2. Viver a justiça

Viver a justiça é condição imprescindível para se acolher o Reino. Zaqueu viveu a justiça já anunciada no Antigo Testamento: “restabelecer o direito de que foi fraudado”, e com isso acolheu Jesus e o Reino por ele anunciado: “Mas Zaqueu, adiantando-se, disse ao Senhor: Pois bem, Senhor, eu reparto aos pobres a metade dos meus bens e, se prejudiquei alguém, restituo-lhe o quádruplo. Então Jesus disse a seu respeito: Hoje veio a salvação a esta casa…” (Lc 19, 8-9).

Mas talvez o texto onde aparece mais claro a necessidade da justiça e da partilha seja Lc 16,19-31: o pobre Lázaro e o rico. Vejamos neste quadro sinótico:

- o pobre Lázaro e o rico: Lc 16, 19-31:

Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e que fazia diariamente brilhantes festins.

Um pobre chamado Lázaro jazia coberto de úlceras no pórtico de sua casa. Ele bem quisera saciar-se do que caía da mesa do rico; mas eram os cães que vinham lamber suas úlceras.

O rico morreu também e foi enterrado. Na morada dos mortos em meio às torturas...

O pobre morreu e foi levado pelos anjos para um lugar de honra junto de Abraão.

ergueu os olhos e viu de longe...* Ele exclamou: Abraão, meu pai, tem compaixão de mim e manda *… ... para me refrescar a língua, pois eu sofro um suplício nestas chamas

* …Abraão com Lázaro a seu lado. * … que Lázaro venha molhar a ponta do dedo na água...

Abraão lhe disse:

Meu filho, lembra-te de que recebeste tua felicidade durante a vida...* *... e tu o sofrimento.

* …como Lázaro, a infelicidade; e, agora ele encontra aqui a consolação...*

O rico disse: Eu te rogo, então, pai, que envies Lázaro à casa de meu pai, pois eu tenho cinco irmãos. Que ele os advirta para que não venham, também eles, para este lugar de tortura. Abraão lhe disse: Eles têm Moisés e os profetas, que os ouçam. O outro

replicou: Não, meu pai Abraão, mas se alguém dentre os mortos for a eles, converter-se-ão. Abraão lhe disse: Se eles não escutam Moisés nem os profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não ficarão convencidos.

O abismo entre eles foi criado durante a vida. A morte somente transformou em realidade definitiva o abismo anterior. Para superar o abismo econômico-social é necessário a partilha como ato de justiça, justiça do Reino.

B - Queres ser perfeito?

Somos religiosos, escolhemos a vida religiosa dehoniana como caminho para essa perfeição. Fizemos os votos, entre eles o de pobreza. Portanto, como viver o voto de pobreza no contexto da globalização econômica que nega os valores do Reino: partilha e justiça, e não favorece o amor comunhão solidária entre os homens?

Na situação econômico-político-social que vivemos há aspectos positivos, mas também tantos negativos: a busca incessante do lucro (sem ingenuidade, pois não existe economia capitalista sem lucros), o desejo de ganhar o máximo possível, a manipulação da propaganda, a especulação nas bolsas, o capital virtual, o bem estar como objetivo último, a exclusão das massas da vida econômica, política e cultural (“massa sobrante”, como Lázaro que espera a sobra da mesa do rico6).

Neste contexto, os votos podem ser vistos come protesto e contestação da ideologia dominante:

- pela valorização dos valores evangélicos da partilha, da justiça e da solidariedade;

- pela vivência do princípio fundante da antropologia teológica cristã: a centralidade da pessoa humana7 que deve ser sempre entendida no contexto da Trindade:

* a pessoa foi criada à imagem e semelhança de Deus,

* redimido pelo sangue de Cristo,

* é templo do Espírito Santo;

- pela defesa dos princípios basilares do Ensino social da Igreja católica:

* a dignidade da pessoa humana (tradição bíblica)

* o destino universal dos bens (tradição patrística)

* o bem comum (tradição escolástica)

* a subsidiariedade

* a solidariedade

Conclusão: Uma tentativa de resposta scj

Nossa Conferência Geral foi uma tentativa de atualizar a resposta que deve ser dada por nós dehonianos8. Certamente não é uma resposta nem completa nem exaustiva, mas um caminho nos foi indicado para ser percorrido.

Importante é que estejamos convencidos que por trás de nosso agir social não há uma ideologia qualquer ou o oportunismo, mas uma espiritualidade fundada na mais genuína tradição da fé judeu-cristã.

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1 Cf. BOFF, Leonardo, Trindade e Sociedade pp. 167-171, * Deus è um comungar infinito.

2 Cf. DA COSTA SILVA, Carlos Alberto, Cristo Solidário com seus irmãos e irmãs. Dehoniana 94 (1997/3) 27-30

3 BEHM J, Kardia, Grande Lessico del Nuovo Testamento, col. 921-922.

4 Idem, col. 922.

5 Ibidem, col. 928.

6 Podemos lembrar as multidões que no Brasil, nas Filipinas e em outros lugares vivem dos lixões das grandes cidades, vivem da sobra, do resto dos outros.

7 Centesimus Annus n.º 53: “Nos últimos 100 anos, a Igreja manifestou repetidamente o seu pensamento, seguindo de perto a evolução contínua da questão social. Não o fez para recuperar privilégios do passado ou para impor a sua concepção social. O seu único objetivo era o cuidado e a responsabilidade pelo homem, a Ela confiado pelo próprio Cristo: por este homem que, como o Concílio Vaticano II recorda, é a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, e para a qual Deus tem o seu projeto, isto é, a participação na salvação eterna. Não se trata do homem «abstrato», mas do homem real, «concreto», «histórico»: trata-se de cada homem, porque cada um foi englobado no mistério da redenção e Cristo uniu-se com cada um para sempre, através desse mistério. Disto se segue que a Igreja não pode abandonar o homem e que «este homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer na realização da sua missão (...) o caminho traçado pelo próprio Cristo, caminho que invariavelmente passa pelo mistério da incarnação e da redenção» .

8 Neste ponto necessariamente se deve reler a mensagem da Conferencia Geral do Recife à toda Família Dehoniana. Documenta XVIII, p. 289ss.