EDUCAÇÃO EVANGELIZADORA EM UM MUNDO GLOBALIZADO

Suraya Benjamin Chaloub
SITUANDO O CONTEXTO

Somos conscientes de que estamos vivendo uma época de profundas e aceleradas transformações sociais, que incluem aspectos sócio-econômicos, explosão exponencial da ciência e da tecnologia e transformações culturais. Todos nos sentimos imersos neste amplo e voraz processo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam ancoragem estável ao mundo social.

Segundo Boff (1994), estamos passando por uma grande crise cultural e civilizacional, que está se realizando especialmente em três vertentes:

Estamos vivenciando as dores do parto de uma nova ordem social (Boff, 1999).

Embora haja as mais variadas leituras da natureza deste processo de mudança, verificase nelas um ponto comum: ênfase na aceleração crescente, na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento ou descentração dos referenciais fixos, coerentes e estáveis. Esta verificação é importante para entendermos o impacto desta mutação, também chamada de "globalização" (Hall, Stuart,1999).

Mesmo abstraindo-nos de qualquer análise e/ou juízo sobre a globalização, é imprescindível considerarmos os desafios globais da sociedade e do mundo em que vivemos, as exigências da revolução técnico científico informacional e social na qual estamos imersas e que, indiscutivelmente afeiam nosso trabalho educativo e todas as dimensões da sociedade.

O pano de fundo de luta contra a exclusão, por exemplo, segundo Assmann (1999, p.l6), passa pela educação.

"No panorama da mundialização do mercado, com a marca do predomínio descontrolado do capital financeiro sobre o capital comprometido com o crescimento e a melhoria das condições devida da população, a educação se transformou em recurso de sobrevivência.

Não se vislumbram, nem no cenário mundial e menos ainda no brasileiro, potenciais políticos para reverter este quadro. Com isso, tornou se aguda a consciência de que a luta contra a exclusão e por uma sociedade onde caibam todos passa fundamentalmente pela educação" (idem, p. 17).

"Hoje, continua Assmann (ibidem, p.21), educar significa salvar vidas. Ser educador/a é a mais avançada tarefa social emancipatória.

Talvez essa afirmação possa parecer ingênua e otimista, mas não o é.

A era atual já foi definida como a errada comunicação, da informação.

Descobriu-se em nossos tempos outra dimensão da natureza, até agora ainda inexplorada - a informação.

Cada ser existente, vivo ou inerte, é portador de informações que podem ser percebidas, captadas, medidas, armazenadas e computadorizadas. As telecomunicações, a biotecnologia (o código ou patrimônio genético, ADN, contém todas as informações para a constituição do ser humano), a informática e a robótica expressam tecnicamente esse novo conhecimento da realidade, que é a informação.

Essa nova realidade criou um novo alfabeto, o da informática e inaugurou a sociedade informacional (Boff, 1994, p.l2).

A matéria prima fundamental da atual revolução tecnológica, bem como seu principal resultado é a informação, como a energia foi a matéria prima da revolução industrial.

Essa sociedade informacional é conseqüência da revolução digital, isto é, da possibilidade de transformar todo tipo de informação (do texto até a voz, sons e imagens, fixas ou em movimento) em números (dígitos), o que permite elaborar, acumular, comunicar e utilizar qualquer tipo de informação em formas antes não só impraticáveis, como inconcebíveis.

Nesta mesma dimensão, a multimídia, que permite acessar e interagir coma informação sob as mais variadas formas, tomou-se cada vez mais difusa, bem como o conceito de interatividade, isto é, a possibilidade de cada pessoa ser um sujeito interatuante e não apenas um objeto passivo do fluxo informativo, como atualmente ocorre com os usuários dos jornais, revistas, TV, rádio e cinema.

E as infovias se tornam as passarelas pelas quais a humanidade dá o salto para o século XXI.

O ambiente multimidiático mais do que uma tecnologia, é uma visão de sociedade e uma nova forma de vida (Santomé, 1998).

Portanto, não se trata apenas de um assunto tecnológico, mas basicamente se toma também um grande desafio político, cultural, educativo, religioso, econômico e social.

Todas essas preocupações e questões visam oferecer elementos para um novo paradigma civilizatório, que está sendo gerado e que poderá dar sentido ao nosso tempo.

Requisito indispensável hoje é, pois, a criação de uma consciência planetária, que implica em buscar novos referendais, os quais ajudarão a perceber e respondera os desafios da globalidade para chegara desenvolver um senso de justiça e de responsabilidade com os povos e grupos sociais ignorados e silenciados.

A grande lição da globalização, segundo Santos (1998), é que hoje são possíveis outras visões de mundo, a partir de qualquer lugar, onde não apenas uma cultura é capaz de ensinar, mas todas são igualmente capazes desse magistério.

De fato, nenhuma cultura expressa a totalidade do potencial criativo humano. Todas juntas mostram a versatilidade do mistério do ser humano e as mais distintas formas de realizarmos nossa humanidade (Boff, 1999, p.9293).

Aceitar e respeitar a diversidade cultural, sem transformá-la em marginalização, bem como reconhecer e acatar o diferente, sem impor lhe a desigualdade, são atitudes decorrentes de uma consciência planetária.

Se aceitamos o mundo como um sistema de relações interdependentes, temos que considerar em todas as análises de suas partes, as partes restantes. Se a criação é um todo orgânico, nele incluído o ser humano, a humanidade tem a responsabilidade de cuidar desse todo (Boff, 1999; Santos, 1998).

O que realmente importa é a sobrevivência do homem no planeta, com um senso aguçado de dignidade e de responsabilidade de uns para com os outros.

Ora, se vivemos uma comunidade de destino, somos todos cidadãos do mundo, urgindo contrapor a solidariedade ao individualismo.

A pobreza e a miséria, por exemplo, continuam um grande desafio porque são questões sociais e não apenas naturais. São produzidas pela forma como se organizam a sociedade e constituem impeditivo radical da cidadania.

Nas condições atuais de produtividade a fome se tomou um absurdo inaceitável. Ela não é mais só fruto da exploração, mas o que é mais grave, é decorrente da "exclusão".

Na atual conjuntura mundial o fato mais preocupante é, inegavelmente, o império estarrecedor da lógica da exclusão e o alastramento da insensibilidade que a acompanha (Assmann, 1998, p. 26).

Não se pode, porém, pretender reagira este fato maior com esquemas simplistas, diante da complexidade da situação.

Entre as simplificações com as quais nos confrontamos, quando queremos refletir sobre o ideal humanizador de uma sociedade onde caibam todos, destacamos os radicalismos que somente sabem denunciar mas são incapazes de oferecer propostas alternativas factíveis. São radicalismos que constituem uma espécie de pseudo-profetismo com exigências éticas ilimitadas, no fundo de cunho neoplatônico e gnóstico (Assmann, 1996,p. 223).

Nessa feiura social que nos rodeia, é normal que se deseje ver as coisas mudarem rapidamente para melhor. Mas, na prática, é impossível conseguir realizar essa mudança da noite para o dia; vivemos numa sociedade ampla e complexa, constituída de pessoas que são feixes de paixões e interesses, embora tenham também vocação para a fraternidade (Idem, p. 222/224).

Não se pode esquecer que a conversão à fraternidade e à solidariedade não é um dado congênito do ser humano, mas sim um processo exigente e sempre inconcluso de conversão pessoal e coletiva, imprescindível para que existam predisposições para uma solidariedade efetiva. É indispensável, portanto, a educação à solidariedade!

Embora hoje, mais do que nunca, seja forte o apelo à solidariedade, é preciso um reexame crítico de profetismos radicais ingênuos e desgastantes, fontes de frustrações e desanimes porque apoiados em uma antropologia de pessoas ideais e em mudanças sociais em descontinuidade com o presente (Idem, p.228/229).

De que valem postulados exigentes acerca da solidariedade, se não balizamos os ingredientes de nossa visão das potencialidades do sujeito no contexto da sociedade na qual se situam? se não sabemos articular horizonte utópico e mediações históricas da práxis? se não chegamos a alternativas práticas? se não queremos "plantar cidadania"?

Ela é fundamental para garantir ao menos as necessidades elementares de todos os cidadãos e ela não se faz sem consciência e exercício prático de seus direitos e deveres.

Na sociedade da informação e do conhecimento, é óbvio que se reconheça o conhecimento, como o vestíbulo da cidadania. Não o conhecimento como apropriação de saberes acumulados da humanidade mas sim como experiências personalizadas de aprendizagem de vida e de mundo, com vistas à construção de uma sociedade onde caibam todos (Idem, 1998, p. 113).

Assmann (1996,1998,1999) é enfático quando afirma que processos cognitivos e processos vitais se tornaram praticamente sinônimos. Cada ser, principalmente o vivo, para existir e para viver tem que se flexibilizar, se adaptar, se reestruturar, interagir, criar e evoluir. Tem que - de aprendizagem, desaparece a vida.

Aqui se retoma o papel fundamental da escola, que não pode ser reduzida a simples agência repassadora de conhecimentos prontos. Sua função é a de ser contexto e clima organizacional propício à iniciação em vivências personalizadas do aprender a aprender, ou seja, propício à construção de um conhecimento personalizado e ao exercício de uma ética social democrática. Não há verdadeiro processo de conhecimento sem conexão com as expectativas e a vida das pessoas.

Hoje, o avanço das biociências tem nos mostrado que vida é, essencialmente, aprender. A essência do "estar vivo" é estar interagindo como aprendente, com a ecologia cognitiva na qual se está imerso, desde o plano estritamente biofísico até o mais abstraio plano mental (Assmann, 1998).

Daí, a afirmação tão peremptória de Assmann (1999, pág. 21), já apresentada por nós no início deste capítulo: "Educar significa salvar vidas. Ser educador/a é a mais avançada tarefa social emancipatória. Essa é também a nossa crença!

 BUSCANDO REFERÊNCIAS PARA UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA COMPROMETIDA COM OS PRINCÍPIOS EVANGÉLICOS

 l. Visão de educação

Como educar? Como fazer de uma escola um contexto e clima organizacional propício à iniciação e desenvolvimento de vivências personalizadas de aprendizagem e, sobretudo, de aprendizagem do ser?

Como criar e recriar para os educandos um espaço onde o processo do aprender venha alimentado pela utopia de uma sociedade que se pretende construir?(Chaloub e outros).

Falar em educação é falar da "construção de pessoas", não de indivíduos. E de pessoas em sua totalidade de energia cósmica e espiritual, compreendendo também sua corporeidade. Não se pode trabalhar identidade, sem se referir e sem partir do "corpo" - nosso corpo somos nós mesmos nos expressando.

O trabalho educativo, comprometido com a fé cristã, visa ao desenvolvimento da pessoa humana, à construção de sua identidade em relação a seu acontecimento fundante:

Como o desenvolvimento das pessoas acontece necessariamente dentro de um contexto sócio-econômico-cultural específico, todo processo educativo há de partir sempre da consciência crítica desse contexto, de suas contradições e das possibilidades práticas de sua transformação.

O político como horizonte pedagógico, dentro de nossa visão, expressa-se no exercício da cidadania - cidadania não como meta distante, mas como prática cotidiana, inclusive da vida escolar. Sem exercício democrático não se constrói uma sociedade livre e participativa. O ideal democrático, já o disse Jacques Maritain, é o nome profano para o ideal cristão da fraternidade, pois tem como motivo determinante a igualdade, o amor e a solidariedade (Boff, 1999).

Dentro dessa liberdade há que se respeitar o pluriculturalismo: as diferenças de género, raça, religião, ideologia e de quaisquer outras minorias sociais.

Também a superação dos conflitos, inerentes a toda vida humana, será uma aprendizagem realizada mediante o exercício diário do relacionamento humano, do diálogo, da solidariedade, do intercâmbio, da partilha, que reforçam a humanização da cultura e do saber.

Visa-se ao primado da sabedoria sobre a ciência e ao respeito à ética das relações entre pessoa humana, tecnologia e política, promovendo a educação para a paz.

Agora, mais do que nunca, afirma Boff (1998, p.26), precisamos ter sabedoria. Sabedoria para captar as transformações imprescindíveis. Sabedoria para definir a direção certa. Sabedoria para projetar o sonho que nos guiará. Sabedoria, enfim, para priorizar ações concretas que vão traduzir este sonho em realidade.

Se nossa visão educativa, vinculada aos princípios evangélicos, se funda na centralidade da pessoa humana, nossa meta é a comunhão social: justa, fraterna, solidária, participativa, livre, democrática, a serviço da vida.

Essa meta exige, nós o reafirmamos, um exercício cotidiano que supere o caldo da nova cultura individualista, promovida por uma organização social centrada na dominação do mercado e impulsionada por uma tecnologia cada vez mais sofisticada, num ritmo acelerado e diversificado de orientação.

Torna-se imprescindível, pois, assumir a solidariedade. Não como gesto isolado, mas como seiva de uma cultura que é atitude permanente e critério de respeito e cuidado com a vida e com tudo o que existe e vive, até mesmo para garantir-nos a possibilidade de vida para todos - base para quaisquer outros valores.

Essa atitude e critério abarcam necessariamente os empobrecidos, marginalizados e vitimados por mecanismos de opressão e exclusão, resultantes do neo-liberalismo dominante. Ser solidários para com estes nossos irmãos, os mais ameaçados em sua vida, implica em questionar o tipo de sociedade, cuja lógica de funcionamento produz tantos excluídos. Isso exige compreensão e tradução desse questionamento em alternativas que se iniciam pelo "plantio de cidadania", o que não acontece sem aprendizagem e exercício prático cotidiano.

Precisamos e queremos possibilitara os educandos uma experiência de aprendizagem vivida na construção personalizada do conhecimento, na descoberta de um mundo real que atrai e encanta porque é um mundo vivo - mundo que se conhece, que se sente e que se ama; mundo que se teme porque cheio de violências e desamor, mas também mundo de sonhos, de utopias, de valores, de encantamentos e de mistérios. Mundo que "se gosta", porque se constrói na convivência do dia a dia e se constrói em base à própria fé e às próprias crenças.

Assumimos esta postura porque acreditamos que a aquisição da ciência e da técnica tem como finalidade última a felicidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade democrática na qual todos tenham voz e vez, as diferenças sejam administradas, seja valorizado o entendimento, seja construída a paz e seja vivenciada cotidianamente a solidariedade - uma sociedade fundada no respeito à dignidade e sacralidade humana.

Toda educação projeta um tipo de pessoa humana em vista de um tipo de sociedade sonhada.

Conhecer o contexto no qual se está inserido é, portanto, indispensável para que se possa formar cidadãos capazes de intervir consciente e criticamente na sociedade em que vivemos. Aliás, toda organização educacional só tem sentido se proporcionar a seus educandos condições para serem agentes na ressignificação e recriação do mundo em que se situam.

Não é possível, porém, conhecer a sociedade global sem conhecer a vida cotidiana e experimentá-la criticamente; não é possível conhecer e vivenciar conscientemente a cotidianidade, sem conhecimento crítico da sociedade global.

Somos "cidadãos do mundo" e não apenas deste ou daquele rincão, embora o contexto específico onde nos situamos seja efetivamente o húmus de nossa história.

Fator decisivo na irrupção de um novo mundo é, sem dúvida, também a consciência ecológica. Hoje, percebe-se a consciência geral de que o destino da espécie humana está associado indissoluvelmente ao destino do planeta Terra e do cosmos.

Para compreender a realidade complexa de nosso mundo atual, com suas redes, interações e complementaridades, não valem os velhos paradigmas. Os avanços das ciências da terra e da vida mudam nossa imagem de universo e da missão do ser humano dentro dele. Urge assumir atitudes, formas, métodos e estratégias dinâmicas e flexíveis de organização da diversidade percebida em suas conexões, ambigüidades e contradições.

Promover e viver essa religação, nos diz Boff (1994, p.4870) é obra de fé, que não se esgota no espaço sagrado. Seu lugar é na vida e é missão de todos e década um que assumiu com Cristo o projeto do Pai - sentido axial da vida e da história.

2. Referenciais ético-políticos

Para desenvolver um trabalho educativo é preciso ter referenciais, princípios norteadores ou teorias mais ou menos articuladas e coerentes que guiem, fundamentem e justifiquem a atuação pedagógica. Esses referenciais servem de instrumentos para contextualizar e priorizar metas e finalidades, para planejar o todo, analisar e avaliar seu desenvolvimento e para tomar decisões sobre a adequação de todo o processo pedagógico em gestação.

Em se tratando de referenciais ético políticos, lembramos Passos (1997) que diz ser a "ética uma construção invenção na qual em cada oportunidade, em cada gesto cotidiano, em que devo fazer escolhas, está lançada a chance concreta de me fazer mais ou menos humano, no risco da liberdade".

Toda produção e invenções históricas da humanidade querem criar condições para a pessoa humana ser feliz. Em todo processo educativo identifica-se o ser feliz com os valores, que orientam e sustentam as ações numa visão realista, em que se reconhecem os próprios limites, administram-se os conflitos e aceitam-se as perdas (Equipede, 1998).

Educação ético-política é essencialmente construção do sujeito histórico, da consciência histórica e da auto-organização dos processos vivos, em vista da sobrevivência e da qualidade de vida do futuro em nosso planeta. Inclui, no processo escolar, o aprender vida e aprender mundo para a construção de um novo mundo onde caibam todos (Assmann, 1998).

Tal posicionamento é derivado de uma concepção de ética como referência incondicional à pessoa na sociedade e no universo. Três dimensões integradas constituem esta concepção. Primeiro, o princípio básico da ética é a própria vida humana em processo histórico de auto-construção. Segundo, a vida ética, que começa na pessoa, estende-se necessariamente ao convívio social. Terceiro, a ética é mais ampla que a vida pessoal e social; ela abrange todo o universo, toda a realidade planetária.

Considerando, assim, a ética como dependente das circunstâncias da pessoa e de seu meio sociocultural, ela é necessariamente inventiva, criativa, provisória e mutável e se constrói no diálogo de todos os interessados na solução do problema ético-polítíco que se apresenta.

Nessa concepção, uma proposta pedagógica cristã terá, então, como princípio fundamental ético-político a "construção do sentido" que determinará a "construção comunitária da realidade".

Será todo um contexto de educação para a solidariedade que consistirá, também e sobretudo, na busca dos campos de sentido para as lutas pela sobrevivência e para as expressões de prazer que fazem sentir como é gostoso "fazer algum bem para o outro" e experimentar horizontes mais amplos de vida.

A democracia, forma de sociabilidade que se buscará fazer penetrar em todos os espaços sociais, para ser integral será sócio-cósmico-planetária. Ganhará novas dimensões, tomando-se cidadania ativa, que tem como ponto de partida a compreensão e o respeito do cidadão como portador de direitos e deveres, teia de relações, ator social, participante da vida e da organização de seu contexto social (Hühne, 1997).

É importante recordar que a questão ético-política tem a ver com os projetos de mundo que nossos modos de conhecer elaboram e alimentam. Para isso, porém, a informação por si só não é suficiente para a aquisição de valores e atitudes. Os conteúdos precisam ser instrumentos de compreensão crítica da realidade. As opções didáticas, os métodos e as atividades serão impregnadas de valores para que fundamentem a construção de conceitos, incentivem atitudes e promovam a cultura da vida e da solidariedade (Sung e Silva, 1995).

3. Referenciais Epistemológicos

Considerado o conhecimento não como algo que se transmite, mas como algo que se constrói, ele é concebido como um "tomar-se" e não como um "ser". Seu estatuto é o da correspondência, da equivalência, não o da identidade.

A construção do conhecimento, pois, será essencialmente ativa: sempre caracterizada por formação de novas estruturas mentais relacionadas a outras anteriores. Implica num processo de "troca" do organismo com o meio, de tomar as estruturas mentais mais complexas, móveis e estáveis. Conhecer é reinventar o mundo.

Esta visão epistemológica supõe considerar o educando como sujeito, integrado em seu contexto e com ele comprometido historicamente. Desafiado constantemente pela realidade, este educando sujeito responde-lhe de maneira original, pessoal e sua resposta modifica não só a realidade como também a si próprio.

A elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização, que consiste na aproximação crítica, problematizadora e criativa da realidade.

A partir desses referenciais a escola é entendida como local de construção e de ampliação do conhecimento; como espaço que vai sendo construído historicamente num determinado contexto sociocultural, no qual o educando se acha inserido numa relação de trocas e mútuas influências. Um espaço onde se relacionam cooperação e desenvolvimento intelectual e sócio-afetivo; espaço de aquisição de conceitos, procedimentos, atitudes vitais e habilidades.

Para que haja coerência com esta abordagem, é preciso que a escola tenha como função primordial a intervenção do educando no processo sociocultural e a inovação da sociedade. Para isso, deve ser um lugar em que já se exercite a cidadania, garantindo aos educandos liberdade de escolha e de ação conscientes.

Um processo de ensino aprendizagem voltado para a cidadania, comprometido com a construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna, obviamente alarga os horizontes dos educandos para além das disciplinas escolares, superando-lhes a visão fragmentada.

A inter e a transdisciplinaridade são os meios disponíveis para a superação da dissociação das experiências escolares entre si e com a realidade. Com classe obtém a superação da visão restrita do mundo, a compreensão da complexidade do real e o resgate da centralidade da pessoa e da vida na realidade e na construção do conhecimento.

Por interdisciplinaridade entendese uma nova consciência da realidade, um novo modo de pensar, a reciprocidade e integração entre áreas, conteúdos e saberes visando à produção de novos conhecimentos de modo global, abrangente e unificador. Assim entendida, a interdisciplinaridade se apoia no princípio de que nenhum conhecimento é completo, mas que todos eles constituem "modos" de ver a realidade sob prismas diferentes. Conhecimentos se interpenetram e originam novos desdobramentos numa síntese enriquecedora.

Ultrapassando os limites de cada disciplina, a transdisciplinaridade busca as convergências, a transversalidade dos valores. Desemboca-se numa compreensão globalizadora da realidade. O educando começa a pensar sobre "seu modo de pensar", integrando-se consigo mesmo e com a realidade num processo de conscientização. Estabelece-se a circularidade pessoa-sociedade-vida-conhecimento numa implicação recíproca (Bittencourt, 1999).

Este processo assim entendido promove mudança de atitude a respeito da formação do educando nos aspectos afetivos, relacionais e éticos, concomitantemente com os racionais, lógicos e objetivos.

Nesta visão sócio-interacionista e sociocultural de educação a avaliação se insere como momento do processo: contínua, gradual, diagnostica e formativa. É um processo de auto-avaliação, avaliação mútua e permanente. Dentro desta prática avaliativa humanizadora é imprescindível o respeito à pessoa do educando, seu nível de estruturação mental, suas conceitualizações e sínteses provisórias, seus desvios de caminho, seus "erros" e incompreensões - alavancas propulsoras de novos avanços no conhecimento da realidade, do mundo e de si mesmo.

Esta posição epistemológica requer, obviamente, uma pedagogia aberta, atenta às questões emergentes do contexto, que criam novos modelos de cultura e sociedade, com as quais o educando se compromete como cidadão participativo.

4. CONCLUINDO

Ao refletirmos sobre a questão da educação evangelizadora no mundo globalizado sempre tivemos presente a mediação "escola", unicamente por ser ela a nossa prática diária. A práxis educativa escolar é o nosso chão de experiência de Deus e de continuidade de seu projeto de salvação.

Partindo também da consideração da escola como espaço de conhecimento e de aprendizagem, não pretendemos atribuir-lhe maior importância, nem prioridade alguma. Simplesmente reconhecemos que a pedagogia se move no plano da construção de realidades como realidades significativas, isto é, carregadas de sentidos que emergem soba forma de experiências de aprendizagem, que por sua vez emergem de processos auto-organizativos da vida real, na qual viver e aprender se identificam num único processo. A função do conhecimento está, pois, a serviço da organização do mundo experiencial do sujeito e não da descoberta de uma realidade ontológica objetiva (Assmann, 1998,p.105113).

A questão pedagógica tem a ver, portanto, com os projetos de mundo que nossos modos de conhecer elaboram e alimentam. E, inevitavelmente, desemboca na difícil conjugação entre o horizonte utópico e os projetos para sua realização. Por isso a questão pedagógica inclui no próprio aprender, o aprender vida e aprender mundo, com vistas à construção de um mundo onde caibam todos.

E esta aprendizagem, é preciso que se inicie no próprio ambiente escolar-laboratório de vida, considerada nas mais variadas manifestações de sua unidade e sacralidade. Aí, então, se dá uma nova experiência do Sagrado, se vivência a abertura ao sentido radical (de raiz) da existência, se realiza um encontro vivo com a Fonte originante de todo ser - Deus.

Fazer o anúncio explícito da mensagem cristã, que tem em si um valor cultural, será, neste ambiente encharcadode vida, contribuição original e preciosa para a vida da sociedade e direito inalienável da pessoa humana.

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

ASSMANN, H. Metáforas novas para reencantar a educação; Epistemologia e Didática. Piracicaba: Ed. Unimep, 1996.
Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.

Paixão pela educação com os pés no chão. In Revista de Educação ABC, ano 28, N. 110, ]an/Mar de l999.

BOFF, L. Nova era: a civilização planetária. São Paulo: Ática, 1994.

O despertar da águia: o diabólico e o simbólico na construção da realidade. Petrópolis: Vozes, 1998.

Ética da Vida. Brasília: Letraviva, 1999.
BITTENCOURT, M. Tudo ao mesmo tempo. In Revista Educação, N.219, julho de 1999.

CHALOUB, S. e outros. Proposta Pedagógica do CENSA Campos dos Goytacazes /RJ, 2000.

EQUIPEDE. Carta de Princípios das Escolas Salesianas /FMA. Lorena/SP: Ed. do Centro Cultural Teresa D'Ávila, 1998.

HALL, S. A identidade cultural na pósmodernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

HÜHNE, LM. (Org) Ética. Rio de Janeiro: UAPÊ: SEAF, 1997.

PASSOS, L.A. Educação libertadora: a construção-invenção imaginada! In Revista de Educação AEC, Ano 26, N. 105, Out/Dez 1997.

SANTOMÉ, J.T. Globalização e interdisciplinariedades: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Medicas, 1998.

SANTOS, M. Ser intelectual na era da globalização. In IX Endipe, Águas de Lindóia/SP, Anais II, Vol.1/1, 1998.

Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SUNG, J. M. e SILVA, J. C. Conversando sobre Ética e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1995.
QUESTÕES PARA AJUDAR A LEITURA INDIVIDUAL

OU O DEBATE EM COMUNIDADE

1. Quais os traços do contexto mundial de hoje que marcam mais a sociedade brasileira, desafiando a nossa criatividade na educação?

2. Que visão de educação predomina na sua comunidade e/ou província e como esse referencial influi nas decisões e nas ações?

3. Que referenciais éticopolíticos devem, prioritariamente, iluminar e alimentar a missão educativa hoje no contexto da globalização?

4. Qual a importância dos referenciais epistemológicos na educação evangelizadora? Eles estão de fato presentes na ação educativa da sua comunidade, particularmente nas escolas?