Na véspera
No dia 11 de Outubro parecia que a calma tinha regressado. As notícias provenientes de diversas fontes falavam que o APC ((Forças Populares do Congo) controlava a situação. Mas, por volta das 14 horas, as autoridades civis e militares anunciavam que o inimigo estava a aproximar-se de Nyamwisi e que deviam deixar Mambasa. A população de Mambasa começa a dirigir-se para a floresta. Às 16 horas o camião do APC parte de Mambasa.
Sábado de manhã
No Sábado de manhã espera-se a entrada dos vencedores. Mambasa está deserta. Os últimos soldados do APC deixam pacificamente a cidade. Pelas 8.30 ouvem-se os assaltantes disparando tiros de armas pesadas. Os habitantes de Mambasa encontram-se na floresta e alguns em suas casas.
Pelas 9 horas o ALC (Forças de Libertação do Congo), que obedecem às forças de J. P. Bemba, entra em Mambasa sem encontrar qualquer resistência: entram com o ruído infernal das armas. Durante oito horas disparam sem tréguas. Pelas 16 horas regressa uma certa calma, mas os disparos prolongam-se até às 22 horas.
O saque
Todos se interrogam sobre tal desperdício de munições, visto que se sabia que os soldados do APC tinham já abandonado a cidade. A população encontrou a resposta a esta pergunta quando regressou às suas casas. Com os disparos, os soldados pretendiam manter à distância os habitantes para assim saquearem sem serem incomodados e sem terem testemunhas. Todas as casas tinham as portas arrombadas. As bicicletas, os colchões, as roupas, o rádio,... tudo foi roubado. Se os soldados encontravam alguém roubavam-lhe também o dinheiro que possuía. Se não tinha, maltratavam-no com violência. Muitas mulheres foram raptadas sob o olhar de todos. A população foi duramente atingida com este saque e agora encontra-se sem nada. Todos perderam tudo. Todos devem recomeçar do zero.
Motivo do saque
Não há dúvidas: os militares do ALC tinham o consentimento dos seus chefes para saquear. Um deles confidenciou que a regra é esta: quando se ocupa uma aldeia, os militares podem saquear, violentar, roubar durante quatro dias sem se sujeitarem a qualquer sanção. Falando também com o Coronel, vindo de Isiro, teve-se a impressão que é este o procedimento comum; é a maneira de pagar aos soldados.
Situação na missão
Desta vez até a missão (dirigida pelos dehonianos) foi saqueada. Os padres foram humilhados e maltratados. Até nos seus quartos as armas deixaram marcas. O saque foi completo: nos escritórios, nos quartos, no salão, na cozinha, nas dispensas e armazéns, na farmácia, no dispensário Binase e um pouco na escola profissional do Instituto Bernardo Longo.
As testemunhas oculares destes acontecimentos estão convictas que os soldados estavam drogados, dado o seu comportamento desumano.
Mais tarde as autoridades militares superiores compreenderam que cometeram um grande erro, permitindo o saque da missão católica que goza de grande estima junto de todos, sobretudo depois de ter cuidado de 2500 refugiados assegurando-lhes a alimentação, o alojamento e a assistência médica. Logo no Domingo após os saque, o pároco foi convocado pelo Coronel que apresentou aos padres e às irmãs as suas desculpas pelos factos cometidos pelos militares, acrescentando que ele não desejava nada semelhante. Foi-lhe dito claramente que as desculpas deviam ser apresentadas à população e que se devia restituir o que fora saqueado. Os padres e as irmãs lá se arranjam, mas à população, se não se restitui nada, ficará completamente desanimada. Por fim o Coronel prometeu regressar no dia seguinte (Segunda-feira) para apresentar oficialmente as suas desculpas.
As promessas
De facto, o Coronel apresentou-se na missão, logo de manhã, Segunda-feira, 14 de Outubro. Pediu desculpas dizendo que o saque fora levado a cabo por um grupo de soldados desobedientes, e que esses serão punidos. Afirmou ainda que faria todos os possíveis para que os bens da missão fossem recuperados e restituídos. Mas foi-lhe dito que, mais do que a recuperação dos bens da missão, é, sobretudo, importante apresentar as desculpas à população, restituir ao menos parte dos seus bens e principalmente libertar, quanto antes, as raparigas raptadas pelos soldados. O Coronel promete que em 48 horas todos os pedidos serão realizados.
O encontro
Na Quinta-feira, 17 de Outubro, os militares organizam uma reunião com a população com o objectivo de explicar a acção militar e dar, também, à população, a possibilidade de recuperar os seus bens que estavam em exposição no lugar do encontro. Infelizmente os objecto expostos eram de tal modo insignificantes, que a população interpretou como uma forma de fazer troça e recusou participar na reunião. Também os missionários recusaram recuperar 3 motorizadas e uma televisão, demonstrando assim a sua solidariedade com a população.
E agora...
Mambasa retoma a sua vida quotidiana pagando, contudo, um preço muito elevado e envolta em sofrimento. Depois deste primeiro saque, seguiram-se outros saques quotidianos (os militares apareciam a pedir todas as coisas possíveis e a população era forçada a contribuir para o seu sustento, submetendo-se à violência, a chantagens nos postos de controlo, etc.). Além disto são ainda os refugiados... Como ajudá-los se a única estrada para Beni se tornou um campo de batalha? Quem pode vir em ajuda deste povo?
(relatório reconstituído com base em notícias provenientes de diversas fontes credíveis)
Roma, 29 de Outubro de 2002
Casa Geral dos Sacerdotes
do Coração de Jesus
Dehonianos