P. JUAN MARIA de la CRUZ, SCJ
Mariano García Méndez

Pequena Biografia do Servo de Deus

P. Evaristo Martínez de Alegría, scj

Uma entre tantas histórias de santos

Ao redor da cidade de Ávila, erguem-se colinas entremeadas de blocos de granito que surgem da terra como mãos desgastadas, erguidas ao céu através de invernos rigorosos e verões caniculares. Esta é a paisagem da velha Castela, terra de “cantose santos”. Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz são os mais conhecidos. Terra de cristãos fortes, de famílias numerosas, de agricultores e criadores de gado, berço de crentes, austeros e anônimos a maioria, figuras histórias, alguns. Homens e mulheres que encarnaram o Evangelho fazendo dele parte de sua realidade quotidiana.

Nosso protagonista, P. Juan, nasce em S. Esteban de los Patos (Ávila) a 25 de setembro de 1891. Era o primeiro de quinze irmãos e, no batismo, recebe o nome de Mariano. Deram-lhe o mesmo nome do pai, o qual, junto com sua esposa, Emérita, se esforçou por dar-lhe uma educação cristã sólida e segura, através de uma fé vida e da prática assídua da vida cristã.

Sua família era encarregada de cuidar da igreja. Seu pai, ao voltar da roça, puxava os terços e novenas que se faziam na pequena comunidade. Talvez por isso, diz um de seus irmãos, o apelo do Senhor a fazer-se sacerdote encontrou pronta resposta por parte do menino, conhecido como Marianito. Isto foi quando ele tinha dez anos.

Primeiro falou com o pároco que lhe ensinou as primeiras letras. Depois foi aluno externo no seminário de Ávila, no qual entrou mais tarde, para estudar Filosofia e Teologia.

Sua vida no seminário, lembram companheiros e superiores, era exemplar, pois era “modelo em tudo, distinguindo-se por sua profunda humildade, embora fosse um jovem talentoso”.

Outra característica sua era que, apesar da vida sacrificada e austera que levava, “era muito jovial. Brincava com todos sem jamais criar caso ou ofender quem quer que fosse. Era um santo”.

Tinha consigo uma preocupação a este tempo. Não que tivesse alguma dúvida sobre o serviço ao Senhor, mas sentia dentro de si a necessidade de uma vida interior mais profunda e de intimidade com o Senhor. Parecia-lhe que o ministério numa paróquia haveria de afastá-lo de seu ideal. Assim, ele tenta uma outra experiência, junto aos dominicanos de Santo Tomás de Ávila “onde não pôde ficar por muito tempo por causa de sua saúde precária”. Isto foi em 1913 e 1914. Ele continuava sua busca de identidade.

Um bom pároco do interior

A 18 de março de 1916, Mariano foi ordenado sacerdote em Ávila. Nas orações daquele dia, dizia-se: “Imitai o que tratais”, e assim, seguindo as pegadas de Jesus de Nazaré, ele dedicou vários anos de seu ministério a pequenos povoados do interior, em meio a camponeses,entre os quais ficou sua lembrança. Ainda se fala dele, de sua presença junto àquela gente, castigada pela pobreza, pelo situação política e pela falta de horizontes.

As paróquias de Hernensancho, Villanueva de Gómez, San Juan de Encinilla, Santo Tomás de Zabarcos, Sotillo de las Palomas foram parte do povo de Deus que a Igreja de Ávila lhe confiou. Eram povoados pobres e de pouca gente, porém fortes e de profundas raízes cristãs.

Naquela década de 20 estava formando-se nos céus da Espanha uma tempestade que haveria de assolar aquelas terras e a Igreja de uma forma violenta e haveria de tirar a vida a incontáveis cristãos, além de 6.832 bispos, padres, religiosos e religiosas. Declarar-se cristãos naqueles dias poderia custar a vida.

A 23 de maio de 1916 P. Mariano foi para Hernansacho. Fazia pouco que tinha sido ordenado por D. Joaquim Beltrán y Asensio. Ali, haverá de desenvolver intensa atividade pastoral, marcada pela presença humilde, por uma vida de oração e adoração prolongada nas gélidas noites do planalto, pela mortificação corporal e pelo zelo em despertar no seu povo a fé, a prática religiosa, a confissão, a devoção Mariana, o abandono da blasfêmia, sempre primando pela caridade e dedicação.

Eram, lembremos, terras pobres e desoladas. O pároco tem que viver do que recebe do povo, o que era pouco. Seus mais antigos fiéis, recordam que ele nunca pedia nada nem fazia passar a cesta nas missas. Os fiéis estranhavam isso. Mas ele respondia:

“Seria o mesmo que transformar a igreja numa agência bancária!”.

Sua porta estava sempre aberta para os necessitadas, os doentes, para quem dele precisasse.

Conta-se que certa vez houve uma briga feia em Hernansancho e que acabou em tiroteio. O atirador deixou por terra várias pessoas. P. Mariano correu logo para intervir e socorrer os feridos. O pistoleiro, mais tardem contava a amigos, em Penalva, um povoado vizinho, gabando-se:

“Liquidei com uns cabritos naquele povoado. Só não acabei com o padre porque é um santo”.

O maior povoado a ele confiado foi San Juan de la Encinilla.Os fiéis dali, entre os quais sua irmã, que ali morava, logo se dão conta de ter uma padre diferente: é um homem de oração, de longas horas noturnas diante do sacrário, de mortificação, de pregação, de catequese, deatendimento pessoal, de humildade e espírito de serviço.

Horizontes do Espírito

Entretanto, no horizonte já aparecia a nuvem de violência, de sangue e de morte. Em meio a tiroteios, fome, pobreza e brutalidade, o chamado de Deus continuava a ecoar dentro daquele homem, ainda à busca de um destino e de uma resposta para sua vida.
Um dos padres que com ele se encontrava com freqüência, disse:

“Era um sacerdote exemplar. Várias vezes me disse: ‘Estou contente, mas devo confessar que estou numa trabalho que não é para mim. A vida de paróquia pesa muito. Meu estado de saúde me abala muito. Não fosse pela obediência eu já teria tomado outro caminho. Sinto-me atraído pela vida religiosa’”.

Nesta busca ele foi para a diocese de Vitória (1921-1922) onde, por um ano, foi capelão de uma escola dos irmãos Lassalistas, em Nanclares de Oca. Nesse tempo, ele pede ao bispo para entrar na ordem do Carmelitas Descalços. Ganha a licença e começa o noviciado em Larrea (Viscaya).

Mais uma vez a saúde interfere emseus projetos. Não resiste a um estilo de vida por demasiado austera, embora ele a desejasse.

Volta para Ávila e por dois anos, 1923 e 1924, toma conta das paróquias de S. Tomé de Zabarcos e Sotillo de las Palomas. Sua passagem por elas foi breve,porém fecunda.

P. Mariano vivia um amor profundo à Eucaristia. Aproveitava todos os momentos para aproximar-se do sacrário das cidades por onde passava.

Em Madrid freqüentava a igreja das Religiosas Reparadoras. Um dia, em 1925, encontrou-se ali com o P. Guilherme Zicke. Este religioso era o iniciador da presença dos Padres do Coração de Jesus na Espanha. Tornaram-se amigos e P. Mariano resolveu suas dúvidas, concluiu suas buscas. O P. Zicke falou de sua congregação, de P. Dehon, de seus projetos, de seu estilo de vida. O fato é que Mariano acabou fazendo parte da comunidade SCJ. Tomou então o nome deJuan Maria de la Cruz. O nome escolhido lembrava seus patronos e inspiradores: Santa Maria e São João da Cruz..

A 31 de outubro de 1926, festa de Cristo Rei, P. Juan fez sua profissão em espírito de amor, de oblação, de reparação. Este projeto, inspirado nas palavras e gestos de Jesus, haverá de iluminá-lo, animá-lo durante os últimos dez anos de sua vida e de trabalho pastoral.

P. Dehon ao fundar a Congregação lhe havia dado o nome de “Oblatos (Vítimas) do Sagrado Coração”. O P. Juan de la Cruz haveria de consumar esta vocação no dia 23 de agosto de 1938, depois de ter vivido sua vida neste espírito.

P.Guilherme Zicke deixou este testemunho sobre o P. Juan:

“Posso assegurar que enquanto eu era superior em Puente la Reina, eu o admiti como postulante em nossa Congregação. Sendo já professo, mostrou desejo de aperfeiçoar ainda mais sua vida contemplativa , pedindo ingresso na Ordem dos Trapistas. Em período de provação esteve no Mosteiro de Cóbreces, tendo voltado para a Congregação, sempre por causa da saúde”.

Passou um ano em Novelda, logo depois de fazer o noviciado. Ali em Novelda, foi professor no único colégio que resta dos tempos do Fundador. Exercia também ministério pastoral nas vizinhanças.

Era um homem de profunda vida interior, enamorado dos santos, em especial dos mártires. Em 1927 ele teve a oportunidade de visitar Roma. Ali chamaram-lhe a atenção as catacumbas de São Calixto e outros lugares ligados à tradição dos mártires. Era difícil afastá-lo destes lugares, como testemunha um de seus companheiros de então, que se lembrava daquele padre espanhol.

Voltando, passou por Lourdes. Maria era outra de suas predileções. Por ela era capaz de longas jornadas, em busca de seus santuários, espalhados por todo o território espanhol. Estas eram histórias que ele contava sempre aos seminaristas de Puente la Reina, sua nova comunidade, para onde voltava após suas viagens em busca de vocações.

Buscando o pão com amor

“Meus caminhos não são os vossos caminhos”. –Esta é a encruzilhada em que se encontra P. Juan. Assim ele vive em Puente la Reina à espera de que algo maior lhe apareça pela frente. Este é o espírito com que vive sua imolação. 
Seu trabalho ali era de sair, caminhar, passar longos períodos fora de casa, deixando para trás a segurança do convento. O seminário de Puente la Reina vivia momentos de esperança e de angústia ao mesmo tempo. As vocações eram promissoras, os recursos financeiros, porém escassos. Os meninos provinham de famílias pobres. P. Guilherme achava que o P. Juan era a pessoa mais indicada, como homem de Deus, humilde e zeloso, para sair em busca de recursos, através dos caminhos de Navarra e do país Basco. Em resumo, sua vida seria a de um mendicante. Outro objetivo destas andanças era o de criar uma rede de amigos do seminário com o objetivo de, no futuro, ajudar as missões do os Camarões, onde ele, P. Guilherme, fora missionário e de onde tivera de sair por causa da guerra mundial.

De novo é o P. Guilherme a comentar:

“O que poderia parecer contraditório, aqui se tornava realidade pois o P. Juan era um homem de extrema obediência e espírito de abnegação, próprio da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, imolando-se dia a dia, em altares de puro amor por Nosso Senhor e pelas almas que lhe são mais queridas”.

É ainda seu superior a descrever o espírito com que ele partia:

“Para que este tipo de vidanão lhe viesse a proporcionar distrações excessivas e colocasse em risco sua união com Deus, ele estabelecia um plano de vida, um regulamento particular e o submetia à aprovação do superior antes de sair, para que fosse agradável aos céus”.

Caminhos que levam a Deus

Muitos foram os religiosos que esmolaram em sua vida, andando de porta em porta, povoado em povoado. Aos olhos dos homens tais pessoas pareciam incultas e estranhas. Porém, eram pessoas que viviam para Deus e levavam Deus ao povo. Eram irmãos, muitos dos quais foram canonizados por sua caridade e o amor que souberam partilhar com ricos e pobres, com sábios e ignorantes. Eram homens de Deus, conhecidos, estimados e esperados em certas épocas em sua passagem pelos povoados. Mendigos por amor a Deus, irmãos que partilhavam a palavra e a oração com todos.
Também nosso Juan deixou uma esteira“do bom aroma de Cristo” nos lugares e entre as pessoas por onde passou: entre sacerdotes, pois gostava de celebrar, era bom pregador e passava horas no confessionário; entre religiosos, em cujas casas se hospedava e eles podiam admirar sua humildade, seu espírito de oração e de mortificação; entre tantos leigosaos quais servia com caridade e ternura, próprias do Coração de Cristo. Em todos eles a impressão e a lembrança que ficou era sempre a mesma: é um santo. 

Durante suas viagens estava sempre em guarda em relação ao que ele considerava ofensa a Deus e aos bons costumes. Isto aconteceu várias vezes em pousadas e hotéis. Pedia que fossem retirados quadros e imagens inconvenientes. Em último caso, comprava-os para fazê-los desaparecer.

Um de seus colegas mais próximos conta:

“Em nada diminuía seu fervor nestas viagens. Pelo contrário, aproveitava as oportunidades para fazer apostolado defendendo a adoração perpétua as Santíssimo sacramento e a devoção ao amor misericordioso”.

Outro acrescenta seu interesse pelas vocações:

“Favorecia s vocações para nosso Instituto de forma tal que vários padres da Congregação devem sua vocação a ele”.

Apesar de uma vida tão movimentada, de encontros com pessoas tão diversificados, “conservou sempre o primitivo fervor do noviciado. Fazia o impossível para participar dos retiros da comunidade e da primeira sexta-feira do mês, prestando conta a seus superiores de suas andanças. Pode-se dizer que o Servo de Deus foi uma providência para a Congregação. No tempo livre de seu trabalho de esmoleiro recolhia-se diante do Senhor e fazia suas práticas de piedade”.

Este é o testemunho de quantos o conheceram, especialmente dos colegas e de religiosas de diversos institutos.

Por vales escuros me conduzes

Dia 14 de abril de 1931 foi proclamada a República da Espanha. As nuvens negras que se viam no horizonte transformam-se em tempestade.Esta acaba desabando sobre as grandes cidades, sobre os centros industriais. Pretendia-se uma mudança moderada na sociedade e na política. As coisas porém escaparam de controle e caíram num radicalismo desenfreado, seja de direita como de esquerda.
A Igreja espanhola tornou-se o inimigo número um a combater. Não poderia oferecer resistência. Anarquistas, socialistas, comunistas, intelectuais e dirigentes anti-clericais a culparam, junto com empresários e o exército, de todos os males e de toda situação que os operários e os camponeses passavam, bem como pelo atraso que a Espanha vivia em relação ao resto da Europa, aberta, pluralista e desenvolvida.

Não era fácil mover-se naquela sociedade, na qual as leis constrangiam os padres a se limitarem à sacristia. A dificuldades foram maiores na área onde P. Juan viajava: Navarra e o país Basco, o “Vaticano espanhol”, dizia-se. Ali a radicalização era maior.

Não é de se estranhar que se passasse a falar de martírio nos meios cristãos. Assim também se expressava P. Juan quando falava de sua experiência aos alunos do seminário.

Uma de seus alunos fala da convicção do beato acerca do martírio:

“Tinha acontecido que um filho de minha avó, religioso capuchinho, missionário na China, tinha sido feito prisioneiro pelos comunistas. Inteirado do desalente de minha avó, o Servo de Deus foi ter com ela e disse-lhe: ‘Teu filho é um mártir. Oxalá tivesse eu a mesma sorte de ser perseguido e de poder morrer por Cristo’”.

Os anos que precedem a 1936, início da guerra civil, serão duros para um homem como P. Juan, que continuava seu ministério alternado com a tarefa de educador no seminário.

É de novo P. Zicke quem fala:

“Sendo de caráter especulativo e dotado de dons espirituais, tinha dados provas de um preparo doutrinal pouco comum. Nas reuniões da comunidade para resolver casos de morale de dogma, deixava a todos admirados pelas citações completas dos Santos Padres que ele fazia de cor. De fato, não tinha muito sentido prático para ensinar aos meninos, especialmente para manter a disciplina. Entretanto, estavam satisfeitos com ele porque contava fatos interessantes, de modo muito vivo e ensinava cantos que agradavam”.

Sua passagem pelo seminário deixou nos alunos uma lembrança indelével como homem de piedade e de fervor. Era fácil encontrá-lo: se não estava no quarto, estava na capela. Na celebração da Missa, demorava-se e, para não cansar os coroinhas, muitas vezes dispensava-os, como São Felipe Néri, para ficar a sós com seu Senhor, num diálogo de adoração e de amor, próprio de quem vive profundamente o mistério do amor encerrado na Eucaristia”.

Uma malograda Betânia

Numa de suas viagens, em 1936, vai visitar sua mãe, um de seus irmãos e a cunhada. Esta recorda:
“Logo que chegou, falando com sua mãe, comigo e com meu marido prognosticou a próxima revolução e seu desejo de morrer mártir. Dizia a meu marido: ‘Olha, Vitor, feliz quem tiver a sorte de derramar seu sangue por nosso Senhor!’”.

“Serão as circunstâncias a mostrarem a mão de Deus que o guia, a levarem-no, precisamente naquele ano crucial, de uma lugar tranqüilo que era Navarra para a região de Cuenca, onde o perigo era maior’, como assinala a Positio super martyrio, a fonte mais documentada desta pequena biografia, da qual colhemos muitos textos e testemunhos.

Cuenca tem um nome inesquecível. Foi abandonada pelos padres trinitários e os dehonianos assumiram aquele santuário como sede do noviciado e lugar de repouso.

É ali, naquelas paragens esquecidas, que P. Juan chega, em princípios de julho, para recuperar sua saúde debilitada pelas andanças.

Porém, o povo do lugar, embora bastante rude e inculto nas coisas de religião, de começo não se conduzia mal com os recém chegados, mas à medida que o tempo foi passando foram mostrando-se sempre mais indiferentes e frios, de tal modo que, após as eleições de maio, passaram a hostilizar os padres, com raras exceções”.

Este foi o clima de “repouso” que o P. Juan encontrou. Mesmo assim, neste breve período, não lhe faltaram momentos de manifestar seu zelo e coragem pelas coisas de Deus, sem nada temer ao reprovar as blasfêmias dos camponeses, ou em abrir a igreja em dias santos, em tocar os sinos e celebrar a Missa, porque o pároco tinha fugido ou estava escondido. Soava-lhe forte o salmo que diz: “O zelo pela vossa casa me consome!”.

Subamos a Jerusalém

Serão também as circunstâncias a forçarem P. Juan a rumar a Valencia. A 18 de julho aconteceu o levante nacional que desencadeou a guerra civil e, com ela, uma perseguição religiosa que comportava a eliminação.
Neste estado de coisas o superior de Garaballa, alertado por amigos e pela passagem de tropas do exército e de milicianos, reuniu seus religiosos no mesmo dia e aconselhou-osa partirem em diversas direções para sua própria segurança.

P. Juan tomou o rumo de Valencia. Deixou a batina e vestiu uma jaqueta grande para ele. Passou a ser chamado, mais tarde, na cadeia,como o “Padre da Jaqueta”.

Por que Valencia? Ali ninguém o conhecia e achava que poderia passar desapercebido. 

Em agosto começou um banho de sangue. Um total de 20077 pessoas foram executadas, entre estas, 10 bispos. Um dos responsáveis por esta chacina, José Díaz, presidente da seção espanhola 3a. Internacional dizia:

“Nas províncias que controlamos, não existe mais a Igreja. A Espanha sobrepujou a obra dos soviéticos, porque a Igreja, na Espanha, está liquidada hoje”.

Em Valencia, dos 1200 sacerdotes, 327 seriam executados. Sem poder prever, P. Juan foi parar num dos lugares mais perigosos que poderia haver. Praticamente entrou na toca do leão. Um de seus companheiros afirma: “Vivi com ele em 1936 e conheço seus sentimentos. Estava preparado para acatar a vontade de Deus pela salvação da pátria. Tinha uma fé cega no triunfo da causa de Deus mesmo tendo que sofrer por causa dos pecados sociais. Ele conseguia comunicar aos outros seu entusiasmo e sua fé, sobretudo quando o perigo era maior”.

Em sua fuga, ele entrou em contato com uma colaboradora do P. Lorenzo Canto, que morava perto da igreja de São João. Esta igreja, situada perto de La Lonja, obra prima de gótico civil, e do mercado central, outro obra de arte notável, era um dos monumentos artísticos mais característicos da cidade, desde os tempos da Reconquista. Suas paredes e naves contém sinais de vários séculos de arte. Sua decoração era de estilo barroco, com afrescos pintados por Palomino, e hoje praticamente desaparecidos por um incêndio.

“O servo de Deus teve que passar pela frente da igreja enquanto em seu interiro um incêndio queimava um monte de objetos sacros.Muitos testemunhas do processo recordamo seu zelo que não lhe permitiam ficar de braços cruzados diante de uma profanação e diante das ofensas a Deus”.

Entre cardos e espinhos 

P. Juan era um desconhecido e maltrapilho, um fugitivo que se põe a vero que acontece. Logo sua voz se faz ouvir em protesto. 
Um companheiro de cárcere, advogado, dirá mais tarde: “Quando o Servo de Deus foi levado para a cadeia eram os últimos dias de julho de 1936. Ele foi encerrado numa cela da quarta galeria, se bem lembro. Vim a conhecê-lo da seguinte maneira: disseram-me que tinha chegado um padre porque tinha protestado publicamente contra um incêndio numa igreja. Fiquei curioso em conhecer alguém que seria tão ingênuo para tomar uma atitude destas. Perguntei a ele mesmo e ele me contou que, ao ver o incêndio, passou a berrar: Que horror! Que crime! Que sacrilégio! Logo alguém perguntou se ele era um “carca”, ou seja um adepto da direita, ou um nacionalista. Ao que o padre respondeu: Sou sacerdote. Este foi o motivo de ter sido preso”.

Ele mesmo escreveu, no dia da festa de São Lourenço, ao Superior geral, P. Lourenço Philippe, felicitando-o pelo seu onomástico e comunicando o motivo de sua prisão: “Aqui estou, reverendíssimo padre, detido já faz três dias, por ter proferido algumas frases de protesto contra o espetáculo das igrejas queimadas. Deus seja bendito! Faça-se em tudo sua vontade! Alegro-me muito por poder sofrer por ele. Que tanto sofreu por mim, pobre pecador.”

Um dia antes ele tinha escrito ao prefeito de Garaballa: “Desde o dia em que cheguei a Valencia, estou detido na cadeia Modelo desta cidade, junto com outros padres, religiosos e seculares. Graças a Deus estou tranqüilo e resignado ao que a Divina Providência disponha a meu respeito. Ocupo a cela 476, na quarta galeria”.

Sem Domingo de Ramos

Cela 476, quarta galeria... parece o título de filme.Acontecimentos que se desenrolam rapidamente, no quente verão valenciano, entre ódio e sangue, numa guerra fratricida que enche prisões, galeria e pátios. Cada tarde muitas vidas eram ceifadas.
O P. Juan, o “Padre da Jaqueta” não ia passar desapercebido. Os testemunhas falam de sua fidelidade a seu sacerdócio, às práticas da vida religiosa, mesmo durante os tempos de prisão. Prova disso é a agenda que foi encontrada em seu bolso quando foi exumado.

Crivada pelas balas e manchada pelo sangue dele, nela se vê o horário que ele tinha escrito, como um programa diário de vida: “horário que ele seguia na prisão, no qual figuram todos os exercícios prescritos pela nossa Regra de Vida”. Começava às cinco da manha e ia até às nove da noite.

Ele não se deixa condicionar pela amarga realidade da prisão, nem diante da previsão de uma morte trágica, sempre mais certa, à medida que, a cada tarde, um certo número de prisioneiros é levado embora e não retorna mais,num macabro ritual.

Ele teve a idéia de desenhar uma Via Sacra nas paredes da cela. 

Sabemos que ele não se esforçou em esconder sua condição de padre. Ele tinha clara consciência de que não estava preso por sua idéias políticas, mas somente por ser padre e sabia que ia ser fuzilado por isso. No pouco tempo que esteve preso foi dizendo a todos os companheiros de cadeia que ele era padre e religioso.

Podemos imaginá-lo no pátio da prisão dirigindo a reza do terço. “Uma vez que estávamos sendo vigiadospor guardas armados, que nos insultavam e ameaçavam, era mais oportuno não fazer a oração para não provocar. Um padre, e não poderia ser outro senão ele, disse que não tinha hora melhor para morrer do que rezando, e assim, continuamos com nossa oração”. Lembro tê-lo visto todos os dias no pátio da prisão com seu livro de orações, durante uma hora a uma hora e meia. Tanto rezava que havia quem dissesse: Um dia, padre da jaqueta, vão matá-lo como a um passarinho!”

Poderia-se pensar que isto era uma espécie de desafio. Esta não é a opinião de um companheiro seu, também padre: “Não se tem nenhuma notícia de que ele tivesse movido um dedo para conseguir a liberdade e estou convencido de que ele nada faria que fosse incompatível com sua condição de padre. Durante sua permanência na cadeia nada fez de insolente ou de provocador que justificasse sua morte”.

Outro testemunha declara: “Exercia seu ministério para quem o pedisse, animava o pessoal, dentro de uma moderação que lhe era peculiar. De forma alguma pode-se dizer que tivesse feito um só gesto de provocação”.

Quem também estava preso era o encanador da cadeia. Foi ele quem impediu que o P. Juan fosse parar na cela de isolamento. Este é seu depoimento:

“P. Juan comportava-se sempre como um sacerdote digníssimo. Quando estava no pátio e sentia bater as horas, dizia as orações com quem estivesse por perto. Vi-o fazer isto diversas vezes. Outras vezes ele ia rezar em sua cela. Nunca o vi ser descortês com alguém”.

Testemunhas no calor na noite

Existe uma carta do redentorista Tomás Veja, também companheiro de prisão, que o P. Guilherme Zicke acrescentou à biografia que fez do padre Juan. Na carta, ele lembra aqueles dias na cadeia e descreve a figura do P. Juan como um “glorioso mártir de Jesus Cristo”.
“Tive a sorte de conhecê-lo, logo depois de entrar na cadeia a 22 de julho de 1936. A todos edificava por sua piedade e devoção. Rezávamos juntos o breviário durante o primeiro mês de cadeia, quando tínhamos três horas de recreio pela manhã e outras três pela tarde, no pátio, que era onde faziam recreio os da 4a. galeria., ele,o P. Recaredo de los Rios (na verdade Ricardo de los Rios, que será beatificado junto com P. Juan), e um servidor. O segundo era salesiano e mártir também. Pudemos observar o grande fervor com que rezava. Freqüentemente se ajoelhava no meio do pátio, embora não faltasse quem o advertisse contra estes sinais externos de devoção. Ele, porém respondia que não devia ter respeito humano algum, que naquelas circunstâncias, mais que nunca, se devia confessar Jesus Cristo, e que tinha que imitar os mártires dos primeiros séculos que se preparavam para o martírio rezando de joelhos.

Pelas onze da manhã nos reuníamos, um bom grupo de presos, para rezar o terço. O P. Juanito tinha um grupo escolhido e rezava com eles o terço e mais algumas orações e fazia até uma leitura espiritual. Quando terminavam as rezas em comum passava de grupo em grupo e animava a todos nas virtudes e no amor. Era verdadeiramente zeloso.

Um dia, ao descer ao pátio, disse ter tido uma grande alegria. Naquela manhã tinha recebido a Jesus Sacramentado. Um professor do seminário tinha vindo à cadeia e tinha trazido o Santíssimo sacramento. P. Juanito insistiu tanto até que recebeu a comunhão.

Depois de um mês na cadeia fomos recolhidos às celas e somente saíamos uma hora pela manhã e outra pela tarde, por grupos. Como eu estava alojado num andar diferente dele, já não nos encontrávamos. Fiquei com aquela impressão de santidade e de virtude.

Poucos dias depois soubemos que ele tinha saído da prisão. Não sabíamos que tinha sido levado para o martírio. Ele foi um dos primeiros daquela prisão de Valencia dar sua vida por Deus e pela Espanha. Feliz ele, que alcançou a palma do martírio! Feliz a Congregação que se sente glorificada por tão excelso mártir!”

Estava contente por sofrer por Jesus

Quando fundou a Congregação o P. Dehon chamou-a inicialmente Oblatos do Coração de Jesus. O P. Juan viveu seu momento maior de oblato no dia 23 de agosto de 1936. Sua vida toda tinha sido escondida, uma via sacra semelhante à que Jesus vivera ha dois mil anos.

Estamos na noite de 23 de agosto de 1936. O Pai ia aceitar a oblação total de P. Juan nos campos de Silla, numa propriedade chamada El Sario. Parecia o Horto do Getsemani, cheio de oliveiras. As testemunhas principais foram as estrelas de uma noite de verão, os outros nove companheiros assassinados e os faróis das caminhonetes que transportaram a vitimas e iluminavam o muro diante do qual foram fuzilados centenas de mártires.

Primeiro foram seviciados, o que comprova a exumação feita em 1940, quando seus restos mortais foram levados para Puente la Reina, para estar perto do seminário ao qual dedicou parte de sua vida.

O P. Lourenço Canto, superior de Graballa, também foi prisioneiro em Valencia. Este padre já tinha sido preso no México durante a perseguição de Calles e conseguiu voltar para Espanha, onde ganhou também a liberdade, depois de preso, e exercia o ministério clandestinamente. Ele afirma: “Apresentei-me ao juiz municipal perguntando seno dia 23 de agosto de 1936 haviam sido executados 10 presos, nos arredores de Silla A resposta foi afirmativa, acrescentando que tinha recebido um pedido para recolher dez cadáveres abandonados na estrada para Madrid. Os cadáveres acabaram sendo levados para o cemitério pelos próprios verdugos. Disse ainda que tinha intenção de fotografar os cadáveres mas não o fez por medo. Passei então a descrever-lhe o P. Juan. Ele confirmou que um homem com aquelas características e aqueles trajes estava entre os executados. Disse ainda que enquanto sepultavam o P. Juan os verdugos diziam que aquele era o cadáver dum padre e que ele tinha respondido que para ele todos eles eram padres”.

Um outro testemunha, o P. Ignacio Belda conta:

“Devo dizer que sou um do poucos testemunhas da exumação do corpo do P. Juan. Entre seus despojos encontrou-se o seguinte: a cruz da profissão, o escapulário da Congregação, perfurado por tiros como também uma agenda na qual estava escrito um horário que ele seguis na cadeia e com todos os atos que nossas Regras prescrevem”.

Um santo para nossos dias?

Todos os tempose lugares tem seus santos. E P. Juan um santo para os nossos dias? Ficamos com as palavras de João Paulo II:

“O profeta é espelho de seu tempo e vive fora dele. Está sempre desperto, vigilante. Nunca está indiferente sobretudo diante da injustiça. Mensageiro de Deus junto dos homens,homem inquieto e inquietador está sempre a espera de um sinal. Perseguido, sofre a solidão e sozinho esta também quando fala às massas e com Deus, quando anuncia o futuro ou interpreta o passado. Pensamos nos diversos mártires do nazismo, das ditaduras latino americanas, dos países submetidos ao império soviético. São os que tem a audácia de tentar novos caminhos, nunca antes trilhados, que eles seguem com aconsciência da própria fragilidade e dos riscos que enfrentam, fortes em sua fé e na verdade que os liberta”.

O P. Juan foi encaminhado pelas sendas de sua experiência espiritual, religiosa e sacerdotal, aparentemente serena até as horas do martírio, como tantos outros sacerdotes e religiosos de seu tempo. Tinham consciência, porém, do significado de seu gesto para a Igreja e para a Espanha.

Nestas páginas pusemos em destaque seu modo de viver simples, e como, aos poucos, em sua humildade foi se desenhando a figura do santo.

Seu objetivo era servir a Deus, conforme sua vontade ia se manifestando ao longo do tempo, até a decisão de fazer-se religioso numa Congregação que correspondia ao seu desejo de viver em amor, imolação e reparação.

P. Zicke assim se expressa sobre sua vida religiosa:

“Posso afirmar por conhecimento pessoal que sua piedade brilhou por extraordinário amor à Eucaristia e à Virgem Santíssima. O tema favorito de suas pregações era o amor misericordioso do Coração de Jesus. Visitava os santuários da Virgem mesmo à custa de grandes sacrifícios. Recitava o breviário com escrúpulo até. Na celebração da Missa empregava mais tempo do que o normal, especialmente no momento da Consagração. Em muitas ocasiões mostrou seu zelo pela glória de Deus”.

O reconheciam no partir do pão

Duas características distinguiam sua fé e seu amor: a devoção à Eucaristia e à Santíssima Virgem. Ele encontra na Congregação o contexto apropriado para pôr em pratica sua vocação para a adoração e para a reparação. Durante suas viagens vive de esmolas:

“Passando em algum lugar e não havendo pregador para a celebração, especialmente se fosse uma festa da Virgem, ele se oferecia para pregar. Mesmo não tendo se preparado para a ocasião comovia os fiéis. Quando alguém comentava sua facilidade de falar em público ele respondia que quem ama muito a Virgem Maria não precisa de preparação alguma. Em Roma ele é lembrado por seu amor à Virgem, pois ali pregou sobre ele mesmo nada sabendo de italiano”.

Um padre sacramentino, que hospedou-o numa de suas viagens, depois de ter lembrado muitos exemplos edificantes dele, disse: 

“Agora, tendo sabido de suamorte, posso afiançar que era verdadeiramente um sacerdote do qual se poderia dizer que Cristo vivia nele”.

Outra testemunha de ultima hora é o Superior e companheiro de santuário de Garaballa:

“Era admirável seu entusiasmo quando falava do martírio, prevendo com clareza o que lhe ia acontecer, animando a todos”.

Era Cristo que vivia nele e quem o estava preparando para dar testemunho da verdade e subir com a cruz às costas para ser crucificado como Jesus, fora da cidade, não à luz do dia, mas de alguns faróis, entre oliveiras, projetando sua sombra no muro”.

Conservar a memória destes testemunhas da fé, numa sociedade materialista, serve a dizer que e possível viver os valores de Reino e construir o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade, como dizia P. Dehon.

As grandes perseguições políticas e religiosas do século XX fizeram tantos mártires, cristãos e outros. A nos cabe clamar: nunca mais.

Caminhando juntos

A liturgia romana sempre viva e precisa, recorda os santos no prefácio:

“Porque mediante o testemunho admirável de seus santos, fecundas sem cessar a Igreja, dando, desta forma, provas evidentes de teu amor. Eles nos estimulam com seu exemplo no caminho da vida e nos ajudam com sua intercessão”.

Somente o Senhor e os interessados conhecem os frutos da intercessão do P. Juan. Há um registro chamado Coração Ardente onde vai-se anotando todas as graças recebidas, porém há muitas outras muitas delas concedidas ainda em vida, durante suas andanças.

Um dos testemunhas do processo, o P. Ignacio Belda contava que em Pamplona, numa família muito conhecida sua, apareceu o P. Juan pedindo ajuda. A mulher saiu e disse que não podia atendê-lo pois estava com pressa e seu marido estava se arrumando para ir ao hospital onde sua filha ia sofrer uma cirurgia, pois não conseguia falar. O P. Juan foi depressa parao hospital e lá chegando, entrou, e disse à menina: Fala!. A menina se pôs a falar para espanto de todos os presentes.

Presença viva do mistério de Cristo na Igreja exemplo etestemunho de uma fé vivida e comprometida, amigo do Senhor ele e nosso intercessor entre os santos.