Pequena Biografia do Servo
de Deus
Nosso
protagonista, P. Juan, nasce em S. Esteban de los Patos (Ávila)
a 25 de setembro de 1891. Era o primeiro de quinze irmãos e, no
batismo, recebe o nome de Mariano. Deram-lhe o mesmo nome do pai, o qual,
junto com sua esposa, Emérita, se esforçou por dar-lhe uma
educação cristã sólida e segura, através
de uma fé vida e da prática assídua da vida cristã.
Sua
família era encarregada de cuidar da igreja. Seu pai, ao voltar
da roça, puxava os terços e novenas que se faziam na pequena
comunidade. Talvez por isso, diz um de seus irmãos, o apelo do Senhor
a fazer-se sacerdote encontrou pronta resposta por parte do menino, conhecido
como Marianito. Isto foi quando ele tinha dez anos.
Primeiro
falou com o pároco que lhe ensinou as primeiras letras. Depois foi
aluno externo no seminário de Ávila, no qual entrou mais
tarde, para estudar Filosofia e Teologia.
Sua
vida no seminário, lembram companheiros e superiores, era exemplar,
pois era “modelo em tudo, distinguindo-se por sua profunda humildade, embora
fosse um jovem talentoso”.
Outra
característica sua era que, apesar da vida sacrificada e austera
que levava, “era muito jovial. Brincava com todos sem jamais criar caso
ou ofender quem quer que fosse. Era um santo”.
Tinha
consigo uma preocupação a este tempo. Não que tivesse
alguma dúvida sobre o serviço ao Senhor, mas sentia dentro
de si a necessidade de uma vida interior mais profunda e de intimidade
com o Senhor. Parecia-lhe que o ministério numa paróquia
haveria de afastá-lo de seu ideal. Assim, ele tenta uma outra experiência,
junto aos dominicanos de Santo Tomás de Ávila “onde não
pôde ficar por muito tempo por causa de sua saúde precária”.
Isto foi em 1913 e 1914. Ele continuava sua busca de identidade.
As
paróquias de Hernensancho, Villanueva de Gómez, San Juan
de Encinilla, Santo Tomás de Zabarcos, Sotillo de las Palomas foram
parte do povo de Deus que a Igreja de Ávila lhe confiou. Eram povoados
pobres e de pouca gente, porém fortes e de profundas raízes
cristãs.
Naquela
década de 20 estava formando-se nos céus da Espanha uma tempestade
que haveria de assolar aquelas terras e a Igreja de uma forma violenta
e haveria de tirar a vida a incontáveis cristãos, além
de 6.832 bispos, padres, religiosos e religiosas. Declarar-se cristãos
naqueles dias poderia custar a vida.
A
23 de maio de 1916 P. Mariano foi para Hernansacho. Fazia pouco que tinha
sido ordenado por D. Joaquim Beltrán y Asensio. Ali, haverá
de desenvolver intensa atividade pastoral, marcada pela presença
humilde, por uma vida de oração e adoração
prolongada nas gélidas noites do planalto, pela mortificação
corporal e pelo zelo em despertar no seu povo a fé, a prática
religiosa, a confissão, a devoção Mariana, o abandono
da blasfêmia, sempre primando pela caridade e dedicação.
Eram,
lembremos, terras pobres e desoladas. O pároco tem que viver do
que recebe do povo, o que era pouco. Seus mais antigos fiéis, recordam
que ele nunca pedia nada nem fazia passar a cesta nas missas. Os fiéis
estranhavam isso. Mas ele respondia:
“Seria
o mesmo que transformar a igreja numa agência bancária!”.
Sua
porta estava sempre aberta para os necessitadas, os doentes, para quem
dele precisasse.
Conta-se
que certa vez houve uma briga feia em Hernansancho e que acabou em tiroteio.
O atirador deixou por terra várias pessoas. P. Mariano correu logo
para intervir e socorrer os feridos. O pistoleiro, mais tardem contava
a amigos, em Penalva, um povoado vizinho, gabando-se:
“Liquidei
com uns cabritos naquele povoado. Só não acabei com o padre
porque é um santo”.
O
maior povoado a ele confiado foi San Juan de la Encinilla.Os
fiéis dali, entre os quais sua irmã, que ali morava, logo
se dão conta de ter uma padre diferente: é um homem de oração,
de longas horas noturnas diante do sacrário, de mortificação,
de pregação, de catequese, deatendimento
pessoal, de humildade e espírito de serviço.
“Era
um sacerdote exemplar. Várias vezes me disse: ‘Estou contente, mas
devo confessar que estou numa trabalho que não é para mim.
A vida de paróquia pesa muito. Meu estado de saúde me abala
muito. Não fosse pela obediência eu já teria tomado
outro caminho. Sinto-me atraído pela vida religiosa’”.
Nesta
busca ele foi para a diocese de Vitória (1921-1922) onde, por um
ano, foi capelão de uma escola dos irmãos Lassalistas, em
Nanclares de Oca. Nesse tempo, ele pede ao bispo para entrar na ordem do
Carmelitas Descalços. Ganha a licença e começa o noviciado
em Larrea (Viscaya).
Mais
uma vez a saúde interfere emseus
projetos. Não resiste a um estilo de vida por demasiado austera,
embora ele a desejasse.
Volta
para Ávila e por dois anos, 1923 e 1924, toma conta das paróquias
de S. Tomé de Zabarcos e Sotillo de las Palomas. Sua passagem por
elas foi breve,porém fecunda.
P.
Mariano vivia um amor profundo à Eucaristia. Aproveitava todos os
momentos para aproximar-se do sacrário das cidades por onde passava.
Em
Madrid freqüentava a igreja das Religiosas Reparadoras. Um dia, em
1925, encontrou-se ali com o P. Guilherme Zicke. Este religioso era o iniciador
da presença dos Padres do Coração de Jesus na Espanha.
Tornaram-se amigos e P. Mariano resolveu suas dúvidas, concluiu
suas buscas. O P. Zicke falou de sua congregação, de P. Dehon,
de seus projetos, de seu estilo de vida. O fato é que Mariano acabou
fazendo parte da comunidade SCJ. Tomou então o nome deJuan
Maria de la Cruz. O nome escolhido lembrava seus patronos e inspiradores:
Santa Maria e São João da Cruz..
A
31 de outubro de 1926, festa de Cristo Rei, P. Juan fez sua profissão
em espírito de amor, de oblação, de reparação.
Este projeto, inspirado nas palavras e gestos de Jesus, haverá de
iluminá-lo, animá-lo durante os últimos dez anos de
sua vida e de trabalho pastoral.
P.
Dehon ao fundar a Congregação lhe havia dado o nome de “Oblatos
(Vítimas) do Sagrado Coração”. O P. Juan de la Cruz
haveria de consumar esta vocação no dia 23 de agosto de 1938,
depois de ter vivido sua vida neste espírito.
P.Guilherme
Zicke deixou este testemunho sobre o P. Juan:
“Posso
assegurar que enquanto eu era superior em Puente la Reina, eu o admiti
como postulante em nossa Congregação. Sendo já professo,
mostrou desejo de aperfeiçoar ainda mais sua vida contemplativa
, pedindo ingresso na Ordem dos Trapistas. Em período de provação
esteve no Mosteiro de Cóbreces, tendo voltado para a Congregação,
sempre por causa da saúde”.
Passou
um ano em Novelda, logo depois de fazer o noviciado. Ali em Novelda, foi
professor no único colégio que resta dos tempos do Fundador.
Exercia também ministério pastoral nas vizinhanças.
Era
um homem de profunda vida interior, enamorado dos santos, em especial dos
mártires. Em 1927 ele teve a oportunidade de visitar Roma. Ali chamaram-lhe
a atenção as catacumbas de São Calixto e outros lugares
ligados à tradição dos mártires. Era difícil
afastá-lo destes lugares, como testemunha um de seus companheiros
de então, que se lembrava daquele padre espanhol.
Voltando,
passou por Lourdes. Maria era outra de suas predileções.
Por ela era capaz de longas jornadas, em busca de seus santuários,
espalhados por todo o território espanhol. Estas eram histórias
que ele contava sempre aos seminaristas de Puente la Reina, sua nova comunidade,
para onde voltava após suas viagens em busca de vocações.
De
novo é o P. Guilherme a comentar:
“O
que poderia parecer contraditório, aqui se tornava realidade pois
o P. Juan era um homem de extrema obediência e espírito de
abnegação, próprio da Congregação dos
Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, imolando-se dia a
dia, em altares de puro amor por Nosso Senhor e pelas almas que lhe são
mais queridas”.
É
ainda seu superior a descrever o espírito com que ele partia:
“Para
que este tipo de vidanão
lhe viesse a proporcionar distrações excessivas e colocasse
em risco sua união com Deus, ele estabelecia um plano de vida, um
regulamento particular e o submetia à aprovação do
superior antes de sair, para que fosse agradável aos céus”.
Durante
suas viagens estava sempre em guarda em relação ao que ele
considerava ofensa a Deus e aos bons costumes. Isto aconteceu várias
vezes em pousadas e hotéis. Pedia que fossem retirados quadros e
imagens inconvenientes. Em último caso, comprava-os para fazê-los
desaparecer.
Um
de seus colegas mais próximos conta:
“Em
nada diminuía seu fervor nestas viagens. Pelo contrário,
aproveitava as oportunidades para fazer apostolado defendendo a adoração
perpétua as Santíssimo sacramento e a devoção
ao amor misericordioso”.
Outro
acrescenta seu interesse pelas vocações:
“Favorecia
s vocações para nosso Instituto de forma tal que vários
padres da Congregação devem sua vocação a ele”.
Apesar
de uma vida tão movimentada, de encontros com pessoas tão
diversificados, “conservou sempre o primitivo fervor do noviciado. Fazia
o impossível para participar dos retiros da comunidade e da primeira
sexta-feira do mês, prestando conta a seus superiores de suas andanças.
Pode-se dizer que o Servo de Deus foi uma providência para a Congregação.
No tempo livre de seu trabalho de esmoleiro recolhia-se diante do Senhor
e fazia suas práticas de piedade”.
Este
é o testemunho de quantos o conheceram, especialmente dos colegas
e de religiosas de diversos institutos.
Não
era fácil mover-se naquela sociedade, na qual as leis constrangiam
os padres a se limitarem à sacristia. A dificuldades foram maiores
na área onde P. Juan viajava: Navarra e o país Basco, o “Vaticano
espanhol”, dizia-se. Ali a radicalização era maior.
Não
é de se estranhar que se passasse a falar de martírio nos
meios cristãos. Assim também se expressava P. Juan quando
falava de sua experiência aos alunos do seminário.
Uma
de seus alunos fala da convicção do beato acerca do martírio:
“Tinha
acontecido que um filho de minha avó, religioso capuchinho, missionário
na China, tinha sido feito prisioneiro pelos comunistas. Inteirado do desalente
de minha avó, o Servo de Deus foi ter com ela e disse-lhe: ‘Teu
filho é um mártir. Oxalá tivesse eu a mesma sorte
de ser perseguido e de poder morrer por Cristo’”.
Os
anos que precedem a 1936, início da guerra civil, serão duros
para um homem como P. Juan, que continuava seu ministério alternado
com a tarefa de educador no seminário.
É
de novo P. Zicke quem fala:
“Sendo
de caráter especulativo e dotado de dons espirituais, tinha dados
provas de um preparo doutrinal pouco comum. Nas reuniões da comunidade
para resolver casos de morale de
dogma, deixava a todos admirados pelas citações completas
dos Santos Padres que ele fazia de cor. De fato, não tinha muito
sentido prático para ensinar aos meninos, especialmente para manter
a disciplina. Entretanto, estavam satisfeitos com ele porque contava fatos
interessantes, de modo muito vivo e ensinava cantos que agradavam”.
Sua
passagem pelo seminário deixou nos alunos uma lembrança indelével
como homem de piedade e de fervor. Era fácil encontrá-lo:
se não estava no quarto, estava na capela. Na celebração
da Missa, demorava-se e, para não cansar os coroinhas, muitas vezes
dispensava-os, como São Felipe Néri, para ficar a sós
com seu Senhor, num diálogo de adoração e de amor,
próprio de quem vive profundamente o mistério do amor encerrado
na Eucaristia”.
“Serão
as circunstâncias a mostrarem a mão de Deus que o guia, a
levarem-no, precisamente naquele ano crucial, de uma lugar tranqüilo
que era Navarra para a região de Cuenca, onde o perigo era maior’,
como assinala a Positio super martyrio,
a fonte mais documentada desta pequena biografia, da qual colhemos muitos
textos e testemunhos.
Cuenca
tem um nome inesquecível. Foi abandonada pelos padres trinitários
e os dehonianos assumiram aquele santuário como sede do noviciado
e lugar de repouso.
É
ali, naquelas paragens esquecidas, que P. Juan chega, em princípios
de julho, para recuperar sua saúde debilitada pelas andanças.
Porém,
o povo do lugar, embora bastante rude e inculto nas coisas de religião,
de começo não se conduzia mal com os recém chegados,
mas à medida que o tempo foi passando foram mostrando-se sempre
mais indiferentes e frios, de tal modo que, após as eleições
de maio, passaram a hostilizar os padres, com raras exceções”.
Este
foi o clima de “repouso” que o P. Juan encontrou. Mesmo assim, neste breve
período, não lhe faltaram momentos de manifestar seu zelo
e coragem pelas coisas de Deus, sem nada temer ao reprovar as blasfêmias
dos camponeses, ou em abrir a igreja em dias santos, em tocar os sinos
e celebrar a Missa, porque o pároco tinha fugido ou estava escondido.
Soava-lhe forte o salmo que diz: “O zelo pela vossa casa me consome!”.
P.
Juan tomou o rumo de Valencia. Deixou a batina e vestiu uma jaqueta grande
para ele. Passou a ser chamado, mais tarde, na cadeia,como
o “Padre da Jaqueta”.
Por
que Valencia? Ali ninguém o conhecia e achava que poderia passar
desapercebido.
Em
agosto começou um banho de sangue. Um total de 20077 pessoas foram
executadas, entre estas, 10 bispos. Um dos responsáveis por esta
chacina, José Díaz, presidente da seção espanhola
3a. Internacional dizia:
“Nas
províncias que controlamos, não existe mais a Igreja. A Espanha
sobrepujou a obra dos soviéticos, porque a Igreja, na Espanha, está
liquidada hoje”.
Em
Valencia, dos 1200 sacerdotes, 327 seriam executados. Sem poder prever,
P. Juan foi parar num dos lugares mais perigosos que poderia haver. Praticamente
entrou na toca do leão. Um de seus companheiros afirma: “Vivi com
ele em 1936 e conheço seus sentimentos. Estava preparado para acatar
a vontade de Deus pela salvação da pátria. Tinha uma
fé cega no triunfo da causa de Deus mesmo tendo que sofrer por causa
dos pecados sociais. Ele conseguia comunicar aos outros seu entusiasmo
e sua fé, sobretudo quando o perigo era maior”.
Em
sua fuga, ele entrou em contato com uma colaboradora do P. Lorenzo Canto,
que morava perto da igreja de São João. Esta igreja, situada
perto de La Lonja, obra prima de gótico civil, e do mercado central,
outro obra de arte notável, era um dos monumentos artísticos
mais característicos da cidade, desde os tempos da Reconquista.
Suas paredes e naves contém sinais de vários séculos
de arte. Sua decoração era de estilo barroco, com afrescos
pintados por Palomino, e hoje praticamente desaparecidos por um incêndio.
“O
servo de Deus teve que passar pela frente da igreja enquanto em seu interiro
um incêndio queimava um monte de objetos sacros.Muitos
testemunhas do processo recordamo
seu zelo que não lhe permitiam ficar de braços cruzados diante
de uma profanação e diante das ofensas a Deus”.
Ele
mesmo escreveu, no dia da festa de São Lourenço, ao Superior
geral, P. Lourenço Philippe, felicitando-o pelo seu onomástico
e comunicando o motivo de sua prisão: “Aqui estou, reverendíssimo
padre, detido já faz três dias, por ter proferido algumas
frases de protesto contra o espetáculo das igrejas queimadas. Deus
seja bendito! Faça-se em tudo sua vontade! Alegro-me muito por poder
sofrer por ele. Que tanto sofreu por mim, pobre pecador.”
Um
dia antes ele tinha escrito ao prefeito de Garaballa: “Desde o dia em que
cheguei a Valencia, estou detido na cadeia Modelo desta cidade, junto com
outros padres, religiosos e seculares. Graças a Deus estou tranqüilo
e resignado ao que a Divina Providência disponha a meu respeito.
Ocupo a cela 476, na quarta galeria”.
Crivada
pelas balas e manchada pelo sangue dele, nela se vê o horário
que ele tinha escrito, como um programa diário de vida: “horário
que ele seguia na prisão, no qual figuram todos os exercícios
prescritos pela nossa Regra de Vida”. Começava às cinco da
manha e ia até às nove da noite.
Ele
não se deixa condicionar pela amarga realidade da prisão,
nem diante da previsão de uma morte trágica, sempre mais
certa, à medida que, a cada tarde, um certo número de prisioneiros
é levado embora e não retorna mais,num
macabro ritual.
Ele
teve a idéia de desenhar uma Via Sacra nas paredes da cela.
Sabemos
que ele não se esforçou em esconder sua condição
de padre. Ele tinha clara consciência de que não estava preso
por sua idéias políticas, mas somente por ser padre e sabia
que ia ser fuzilado por isso. No pouco tempo que esteve preso foi dizendo
a todos os companheiros de cadeia que ele era padre e religioso.
Podemos
imaginá-lo no pátio da prisão dirigindo a reza do
terço. “Uma vez que estávamos sendo vigiadospor
guardas armados, que nos insultavam e ameaçavam, era mais oportuno
não fazer a oração para não provocar. Um padre,
e não poderia ser outro senão ele, disse que não tinha
hora melhor para morrer do que rezando, e assim, continuamos com nossa
oração”. Lembro tê-lo visto todos os dias no pátio
da prisão com seu livro de orações, durante uma hora
a uma hora e meia. Tanto rezava que havia quem dissesse: Um dia, padre
da jaqueta, vão matá-lo como a um passarinho!”
Poderia-se
pensar que isto era uma espécie de desafio. Esta não é
a opinião de um companheiro seu, também padre: “Não
se tem nenhuma notícia de que ele tivesse movido um dedo para conseguir
a liberdade e estou convencido de que ele nada faria que fosse incompatível
com sua condição de padre. Durante sua permanência
na cadeia nada fez de insolente ou de provocador que justificasse sua morte”.
Outro
testemunha declara: “Exercia seu ministério para quem o pedisse,
animava o pessoal, dentro de uma moderação que lhe era peculiar.
De forma alguma pode-se dizer que tivesse feito um só gesto de provocação”.
Quem
também estava preso era o encanador da cadeia. Foi ele quem impediu
que o P. Juan fosse parar na cela de isolamento. Este é seu depoimento:
“P.
Juan comportava-se sempre como um sacerdote digníssimo. Quando estava
no pátio e sentia bater as horas, dizia as orações
com quem estivesse por perto. Vi-o fazer isto diversas vezes. Outras vezes
ele ia rezar em sua cela. Nunca o vi ser descortês com alguém”.
Pelas
onze da manhã nos reuníamos, um bom grupo de presos, para
rezar o terço. O P. Juanito tinha um grupo escolhido e rezava com
eles o terço e mais algumas orações e fazia até
uma leitura espiritual. Quando terminavam as rezas em comum passava de
grupo em grupo e animava a todos nas virtudes e no amor. Era verdadeiramente
zeloso.
Um
dia, ao descer ao pátio, disse ter tido uma grande alegria. Naquela
manhã tinha recebido a Jesus Sacramentado. Um professor do seminário
tinha vindo à cadeia e tinha trazido o Santíssimo sacramento.
P. Juanito insistiu tanto até que recebeu a comunhão.
Depois
de um mês na cadeia fomos recolhidos às celas e somente saíamos
uma hora pela manhã e outra pela tarde, por grupos. Como eu estava
alojado num andar diferente dele, já não nos encontrávamos.
Fiquei com aquela impressão de santidade e de virtude.
Poucos
dias depois soubemos que ele tinha saído da prisão. Não
sabíamos que tinha sido levado para o martírio. Ele foi um
dos primeiros daquela prisão de Valencia dar sua vida por Deus e
pela Espanha. Feliz ele, que alcançou a palma do martírio!
Feliz a Congregação que se sente glorificada por tão
excelso mártir!”
Estava
contente por sofrer por Jesus
Quando
fundou a Congregação o P. Dehon chamou-a inicialmente Oblatos
do Coração de Jesus. O P. Juan viveu seu momento maior de
oblato no dia 23 de agosto de 1936. Sua vida toda tinha sido escondida,
uma via sacra semelhante à que Jesus vivera ha dois mil anos.
Estamos
na noite de 23 de agosto de 1936. O Pai ia aceitar a oblação
total de P. Juan nos campos de Silla, numa propriedade chamada El Sario.
Parecia o Horto do Getsemani, cheio de oliveiras. As testemunhas principais
foram as estrelas de uma noite de verão, os outros nove companheiros
assassinados e os faróis das caminhonetes que transportaram a vitimas
e iluminavam o muro diante do qual foram fuzilados centenas de mártires.
Primeiro
foram seviciados, o que comprova a exumação feita em 1940,
quando seus restos mortais foram levados para Puente la Reina, para estar
perto do seminário ao qual dedicou parte de sua vida.
O
P. Lourenço Canto, superior de Graballa, também foi prisioneiro
em Valencia. Este padre já tinha sido preso no México durante
a perseguição de Calles e conseguiu voltar para Espanha,
onde ganhou também a liberdade, depois de preso, e exercia o ministério
clandestinamente. Ele afirma: “Apresentei-me ao juiz municipal perguntando
seno dia 23 de agosto de 1936 haviam
sido executados 10 presos, nos arredores de Silla A resposta foi afirmativa,
acrescentando que tinha recebido um pedido para recolher dez cadáveres
abandonados na estrada para Madrid. Os cadáveres acabaram sendo
levados para o cemitério pelos próprios verdugos. Disse ainda
que tinha intenção de fotografar os cadáveres mas
não o fez por medo. Passei então a descrever-lhe o P. Juan.
Ele confirmou que um homem com aquelas características e aqueles
trajes estava entre os executados. Disse ainda que enquanto sepultavam
o P. Juan os verdugos diziam que aquele era o cadáver dum padre
e que ele tinha respondido que para ele todos eles eram padres”.
Um
outro testemunha, o P. Ignacio Belda conta:
“Devo
dizer que sou um do poucos testemunhas da exumação do corpo
do P. Juan. Entre seus despojos encontrou-se o seguinte: a cruz da profissão,
o escapulário da Congregação, perfurado por tiros
como também uma agenda na qual estava escrito um horário
que ele seguis na cadeia e com todos os atos que nossas Regras prescrevem”.
Um
santo para nossos dias?
Todos
os tempose lugares tem seus santos.
E P. Juan um santo para os nossos dias? Ficamos com as palavras de João
Paulo II:
“O
profeta é espelho de seu tempo e vive fora dele. Está sempre
desperto, vigilante. Nunca está indiferente sobretudo diante da
injustiça. Mensageiro de Deus junto dos homens,homem
inquieto e inquietador está sempre a espera de um sinal. Perseguido,
sofre a solidão e sozinho esta também quando fala às
massas e com Deus, quando anuncia o futuro ou interpreta o passado. Pensamos
nos diversos mártires do nazismo, das ditaduras latino americanas,
dos países submetidos ao império soviético. São
os que tem a audácia de tentar novos caminhos, nunca antes trilhados,
que eles seguem com aconsciência
da própria fragilidade e dos riscos que enfrentam, fortes em sua
fé e na verdade que os liberta”.
O
P. Juan foi encaminhado pelas sendas de sua experiência espiritual,
religiosa e sacerdotal, aparentemente serena até as horas do martírio,
como tantos outros sacerdotes e religiosos de seu tempo. Tinham consciência,
porém, do significado de seu gesto para a Igreja e para a Espanha.
Nestas
páginas pusemos em destaque seu modo de viver simples, e como, aos
poucos, em sua humildade foi se desenhando a figura do santo.
Seu
objetivo era servir a Deus, conforme sua vontade ia se manifestando ao
longo do tempo, até a decisão de fazer-se religioso numa
Congregação que correspondia ao seu desejo de viver em amor,
imolação e reparação.
P.
Zicke assim se expressa sobre sua vida religiosa:
“Posso
afirmar por conhecimento pessoal que sua piedade brilhou por extraordinário
amor à Eucaristia e à Virgem Santíssima. O tema favorito
de suas pregações era o amor misericordioso do Coração
de Jesus. Visitava os santuários da Virgem mesmo à custa
de grandes sacrifícios. Recitava o breviário com escrúpulo
até. Na celebração da Missa empregava mais tempo do
que o normal, especialmente no momento da Consagração. Em
muitas ocasiões mostrou seu zelo pela glória de Deus”.
O
reconheciam no partir do pão
Duas
características distinguiam sua fé e seu amor: a devoção
à Eucaristia e à Santíssima Virgem. Ele encontra na
Congregação o contexto apropriado para pôr em pratica
sua vocação para a adoração e para a reparação.
Durante suas viagens vive de esmolas:
“Passando
em algum lugar e não havendo pregador para a celebração,
especialmente se fosse uma festa da Virgem, ele se oferecia para pregar.
Mesmo não tendo se preparado para a ocasião comovia os fiéis.
Quando alguém comentava sua facilidade de falar em público
ele respondia que quem ama muito a Virgem Maria não precisa de preparação
alguma. Em Roma ele é lembrado por seu amor à Virgem, pois
ali pregou sobre ele mesmo nada sabendo de italiano”.
Um
padre sacramentino, que hospedou-o numa de suas viagens, depois de ter
lembrado muitos exemplos edificantes dele, disse:
“Agora,
tendo sabido de suamorte, posso
afiançar que era verdadeiramente um sacerdote do qual se poderia
dizer que Cristo vivia nele”.
Outra
testemunha de ultima hora é o Superior e companheiro de santuário
de Garaballa:
“Era
admirável seu entusiasmo quando falava do martírio, prevendo
com clareza o que lhe ia acontecer, animando a todos”.
Era
Cristo que vivia nele e quem o estava preparando para dar testemunho da
verdade e subir com a cruz às costas para ser crucificado como Jesus,
fora da cidade, não à luz do dia, mas de alguns faróis,
entre oliveiras, projetando sua sombra no muro”.
Conservar
a memória destes testemunhas da fé, numa sociedade materialista,
serve a dizer que e possível viver os valores de Reino e construir
o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade, como
dizia P. Dehon.
As
grandes perseguições políticas e religiosas do século
XX fizeram tantos mártires, cristãos e outros. A nos cabe
clamar: nunca mais.
Caminhando
juntos
A
liturgia romana sempre viva e precisa, recorda os santos no prefácio:
“Porque
mediante o testemunho admirável de seus santos, fecundas sem cessar
a Igreja, dando, desta forma, provas evidentes de teu amor. Eles nos estimulam
com seu exemplo no caminho da vida e nos ajudam com sua intercessão”.
Somente
o Senhor e os interessados conhecem os frutos da intercessão do
P. Juan. Há um registro chamado Coração Ardente onde
vai-se anotando todas as graças recebidas, porém há
muitas outras muitas delas concedidas ainda em vida, durante suas andanças.
Um
dos testemunhas do processo, o P. Ignacio Belda contava que em Pamplona,
numa família muito conhecida sua, apareceu o P. Juan pedindo ajuda.
A mulher saiu e disse que não podia atendê-lo pois estava
com pressa e seu marido estava se arrumando para ir ao hospital onde sua
filha ia sofrer uma cirurgia, pois não conseguia falar. O P. Juan
foi depressa parao hospital e lá
chegando, entrou, e disse à menina: Fala!. A menina se pôs
a falar para espanto de todos os presentes.
Presença
viva do mistério de Cristo na Igreja exemplo etestemunho
de uma fé vivida e comprometida, amigo do Senhor ele e nosso intercessor
entre os santos.